O presidente Jair Bolsonaro está na contramão. Suas palavras de ontem, registradas em pronunciamento à nação, constituem o exato contrário do que se pode esperar de uma liderança seriamente comprometida com a saúde das pessoas que representa. Levadas a efeito, podem custar vidas aos milhares, tamanha a inconsequência com que foram despejadas.
Pela terceira vez somente em março, o presidente convocou a cadeia nacional de rádio e TV para falar a seu povo. Após rodadas de conversas animadoras com governadores desde o início da semana, havia alguma chance de que Bolsonaro finalmente tivesse se convencido da gravidade da pandemia do novo coronavírus, presente em 177 países e com saldo de 20 mil mortes até agora em todo o mundo.
Apesar dos 46 óbitos e 2 mil infectados apenas no Brasil, não foi o que se viu. O chefe do Executivo federal voltou a minimizar a doença. Debochado, chamou-a de "gripezinha" e "resfriadinho", num ato de desserviço que torna ainda mais difícil o trabalho de médicos e outros profissionais empenhados em evitar que o Brasil repita a trajetória de Itália e Espanha.
Também criticou os gestores estaduais e suas medidas de restrição à circulação, todas amparadas nas recomendações estritamente técnicas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, pasta cujo titular, Luiz Henrique Mandetta, desempenha papel crucial e dentro dos marcos do decoro.
Ora, ao descumprir esses protocolos e mandar às favas preceitos científicos amplamente aceitos na comunidade internacional que luta contra a infecção, o presidente tornou insustentável a permanência de seu auxiliar mais destacado no enfrentamento à covid-19.
Não bastasse, o mandatário houve por bem convidar os brasileiros a retomarem a normalidade em momento de escalada de contágio, quando já se registra ao menos uma morte fora do eixo Rio-São Paulo. E, como é do seu feitio, encerrou o descalabro televisionado endereçando maledicências a jornalistas e médicos, culpando-os por sua própria inépcia.
Desnecessário dizer que o dia de ontem foi um ponto de inflexão na já habitual rotina de imposturas do presidente. Esperemos que as instituições saibam responder à altura. E roguemos para que os brasileiros façam ouvidos moucos aos desatinos de seu chefe de Estado permanecendo em casa, isolados e em segurança.