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Hayeska Costa Barroso: O paradoxo da casa como espaço de proteção
Opinião

Hayeska Costa Barroso: O paradoxo da casa como espaço de proteção

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Hayeska Costa Barroso
Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UNB)
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Hayeska Costa Barroso Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UNB)

Em tempos de isolamento e distanciamento social causados pela pandemia de coronavírus, quais histórias são testemunhadas pelas casas e domicílios de tantas mulheres que, nesse contexto, encontram-se numa paradoxal situação de vulnerabilidade e risco perante seus agressores? Numa alusão direta à romancista cearense Natércia Campos, em seu romance A Casa, imaginemos que as casas onde moramos possuem memória, são capazes de contar as narrativas de nossas vidas. Os "segredos" do lar seriam desassossegados e evidenciariam a violência doméstica e familiar que sofrem meninas e mulheres, a quem a ONU Mulheres chamou de "sobreviventes".

Se, por um lado, a casa pode ser representativa de um espaço de acolhimento e aconchego, por outro, tem o poder de obscurecer o sofrimento e a violência, quer psicológica, física, moral ou sexual, mas sempre perversa com a saúde física e mental das mulheres. Longe de ser uma questão privada, a violência contra as mulheres tem suas raízes fincadas numa sociedade cuja formação carrega as marcas do machismo, do sexismo, da misoginia, da violência estrutural, da objetificação dos corpos femininos e da perpetuação de um regime patriarcal.

A filósofa Hannah Arendt nos chamou a atenção para o fato de que, na Grécia clássica, acreditava-se que a liberdade para os homens estava situada na esfera política, fora da casa. Se a polis era a instância dos iguais entre si, a família era, pois, o espaço da desigualdade, onde quem dominava era o homem. Culpar a pandemia pelo aumento da violência contra as mulheres parece remontar o Brasil de hoje à Grécia de cerca de 500 a.C.

O isolamento social limita as possibilidades de acessar os serviços de proteção institucional, ou até mesmo a rede de proteção de amigos e familiares. Na era em que as redes sociais têm sido cada vez mais acessadas, a violência contra as mulheres pode se manifestar, inclusive, na vigilância das suas conversas e interações, num controle perverso da sua rede de contatos por parte dos companheiros. É urgente reforçar que os serviços de denúncia continuam ativos, como o disque 180 e o próprio 190, bem como fortalecer o senso de solidariedade e sensibilidade da vizinhança e da comunidade local como estratégia de segurança e proteção das mulheres vítimas de violência. 

 

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