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Dawisson Belém Lopes: Serjair Bolsomoro
Opinião

Dawisson Belém Lopes: Serjair Bolsomoro

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Dawisson Belém Lopes 
Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Dawisson Belém Lopes Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG

Ele era o político mais popular desta nação. Também conhecido como "Orbán dos Trópicos", Serjair despontava como favorito para a próxima eleição presidencial brasileira. E também para a seguinte, se houvesse. E para o que viesse depois. "Todo poder a Bolsomoro" - era o clamor geral, do taxista ao analista profissional, aqui no Nordeste e lá em Budapeste.

Serjair era um amálgama de forças da natureza. Conectava-se bem com a caserna, fazendo das Forças Armadas um esteio. Bem quisto nas igrejas, especialmente as cristãs neopentecostais, onde costumava ser tratado pelo epíteto de "Messias". Dava suas voltas pelos estádios de futebol e vestia a camisa do time mandante. Serjair, de bobo, não tinha nada.

O resiliente político também circulava com desenvoltura pelos elegantes salões. Era respeitado por juristas, policiais, médicos, profissionais liberais, empresariado. Sua fala técnica, às vezes empolada, não raramente recheada de jargões e latinório, convencia os bacharéis. Fotogênico, Bolsomoro gostava de posar em black tie com investidores, artistas e personalidades mediáticas.

Quando encarnava Sr. Hyde, Serjair subia no ibope. Jeitão simplório e desengonçado, pensamento conceitualmente frágil e moralismo rastaquera o aproximavam do brasileiro médio, da cidadã comum. Como aquele homem cordial de Buarque de Hollanda, aparentava falar com o coração, ainda que desse exercício o que viesse à superfície fosse apenas violência e preconceito. Era tosco, sim, mas na medida eleitoral exata.

Já na versão Dr. Jekyll, Bolsomoro media as palavras e calculava cada gesto. Não dava ponto sem nó. Ao melhor estilo do líder do antigo Império Magiar (não confundir com Maringá), nosso herói alicerçava a força em regramentos jurídicos. Era um ás em mexer as alavancas da lei para alcançar suas metas, por mais insondáveis que fossem. O verniz do legalismo e a boa vontade da grande imprensa lhe emprestavam, sempre, a serenidade dos justos.

Em que pesem às técnicas refinadas de dominação racional, Serjair ainda praticava com aptidão outro jogo, o do poder cru. Treinado no Exército, defensor da ditadura militar e do AI-5, sempre cercado por generais. Dizia-se que sua família estava ligada ao submundo do crime. As evidências, embora abundantes, não arranhavam o apoio do núcleo duro. "É tudo fake news!", desdenhavam.

Serjair não escondia contradições. Eros e Tânatos ao mesmo tempo, tentou emplacar o filho como embaixador, mas também fez campanha contra nepotismo e corrupção. Pregou imparcialidade e impessoalidade na gestão, mas não quis melindrar aliados quando a Polícia Federal deles se aproximou. Associou-se a rede de TV para dar publicidade a conversas telefônicas de vultos da República, mas condenou veementemente - e até ameaçou o vazador - quando do expediente foi ele o alvo.

Bolsomoro, dito mítico e judicioso, não resistiu à doença política que infectou o País. A evolução do quadro foi rápida: numa semana, parecia saudável, ainda a colocar "panos quentes" na situação pandêmica da Covid-19; na semana seguinte, os sintomas de bipolaridade, incontinência e tendência ao sincericídio tornaram-se visíveis. Era como se Serjair não mais coubesse num só corpo. Sua partida deixa uma cunha importante no eleitorado brasileiro. 

 

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