O presidente Jair Bolsonaro decidiu incluir salões de beleza, barbearias e academias esportivas no rol de atividades essenciais durante a pandemia da Covid-19. A iniciativa, além de esdrúxula, é inócua, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que governos estaduais e prefeituras têm autonomia para estabelecer os tipos de ações de enfrentamento da pandemia em suas respectivas jurisdições. Ao baixar o novo decreto federal, Bolsonaro não ignora que não tem poder para modificar essa determinação legal. Apenas joga demagogicamente para sua base eleitoral, incitando-a contra governadores e prefeitos, pelo fato de estes exercerem de forma responsável seus papéis de governantes, preservando a vida de seus concidadãos.
É mais um jogo de cena, dos tantos dos quais o presidente é useiro e vezeiro, mas que há muito deixaram de ser apenas bizarros, para se transformarem em ameaça ao justo equilíbrio institucional, esperado de quem exerce função tão importante como a de chefe de Governo. Na sua ânsia de demonstrar poder pessoal, Bolsonaro termina atropelando as regras republicanas de impessoalidade, e ultrapassando os limites da liturgia do cargo, em nome de um mandonismo inadequado ao regime democrático. Assim, expõe auxiliares a situações vexatórias, das quais a mais recente foi a publicação do último decreto de ampliação de supostos "serviços essenciais", sem prévia comunicação a seu ministro da Saúde, Nelson Teich, no momento mesmo em que este dava uma entrevista reconhecendo o trabalho e a autonomia de governadores e prefeitos nessa área.
Tudo poderia ser encarado como uma bizarrice ingênua, se não se tratasse de uma nítida estratégia política de apresentar "bodes expiatórios" para as duras privações pelas quais as classes média e popular irão passar, depois de superada a fase mais aguda da pandemia. Pois é certo que a ruína econômica, em maior ou menor grau, já se esboça, em nível mundial, como consequência da redução forçada da atividade econômica, em face da pandemia.
No Brasil, contudo, Bolsonaro já ensaia atribuí-la a governadores e prefeitos que se recusaram a sacrificar a vida de seus governados, em nome de uma enganosa "preservação da economia" e da "manutenção de empregos". Pura balela, pois a economia seria igualmente afetada, mesmo sem a aplicação do distanciamento social. Pior: teríamos depressão (nos dois sentidos) e genocídio.
Com essa atitude, o presidente da República tentará justificar a manutenção de um modelo econômico inviável, visto que não ofereceria as respostas que a situação de crise econômica e pandêmica exigirá: um prioritário e massivo investimento público, reforço do mercado interno e incentivo à economia real, e não à especulação financeira. O contrário seria cair na especulada "armadilha bolsonarista". A democracia não pode baixar a guarda.