Há uma cena no livro Crime e Castigo, do russo Fiódor Dostoiévski, inesquecível para mim por revelar o terrível dilema com o qual o personagem central da obra começa a conviver. Em determinado momento, Raskólnikov, remói-se para si mesmo: Não sabe se está doente por haver cometido um crime ou se estava doente e, por isso, executara tal delito. A confusão mental do personagem da ficção, infelizmente, me faz pensar em alguns assessores do presidente Jair Bolsonaro. Não se sabe se eles já eram perturbados e, por isso, se entregaram de corpo e alma a esse governo que demonstra tanta propensão ao tumulto e espalhafato ou se passaram a mostrar embotamento intelectual a partir da proximidade com o presidente.
Se o leitor fizer o exercício de examinar o comportamento de alguns desses assessores, verá que no momento da entrada deles no governo ninguém, em sã consciência, diria que seriam capazes de agir de forma tão desequilibrada. Aliás, quem não se dobra ao estranho mundo bolsonariano é expurgado com pompa e circunstância. Ou sofre o expurgo porque o desequilíbrio passou da medida para o momento, como Roberto Alvim.
Quando o médico e empresário Nelson Teich foi escolhido para o Ministério da Saúde, já tinha uma visível e bem sucedida carreira no mundo dos negócios da medicina, lugar onde a inanição mental não é nem de longe aceitável. No governo tornou-se uma criatura apática, com aspecto exausto, até que ontem pediu demissão. Um ato heroico diante de uma crise que, para todos os lados que se olha, só se encontra loucura e non sense vindos justamente do presidente e sua sanha contra a ciência, os governadores, o judiciário e que, junto com uma penca de empresários, não se importa de transformar o País num grande cemitério.
Outra que, embora, há muito tenha declarado seu medo é a atriz Regina Duarte. Desde que ela entrou no governo, é visível sua inoperância. Eu demorei para entender o que havia acontecido na entrevista dada pela secretária Nacional da Cultura à CNN, tal o nível do disparate que aconteceu ali. Ter medo é uma coisa. Ser incapaz de raciocinar um pouco além da barreira de onde se está metido, já é obsessão ou outra coisa. O Brasil de hoje não é para qualquer ficcionista. Talvez só um Dostoiévski para nos mostrar os dilemas terríveis que o atual governo - que eu não ajudei a eleger - derramou sobre nós.