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Carolina Larriera: Sergio, um brasileiro que amava o seu país
Opinião

Carolina Larriera: Sergio, um brasileiro que amava o seu país

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Carolina Larriera 
Mestra em Administração Pública e Relações Internacionais e co-diretora do Centro Sergio Vieira de Mello
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Carolina Larriera Mestra em Administração Pública e Relações Internacionais e co-diretora do Centro Sergio Vieira de Mello

Em 19 de agosto de 2003, um homem-bomba respondendo a Abu Musab Al-Zarqawi, conduziu um caminhão contra o escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) no Iraque. Em poucos segundos, uma explosão de dinamite reduziu a poeira o interior do nosso prédio, matando 21 dos meus colegas e ferindo centenas de outros. Sergio, meu marido, iria converter-se na fatalidade número 22, era orgulhosamente brasileiro. Ele era também chefe das Nações Unidas no Iraque.

Nós dois fomos enviados a Bagdá para ajudar o país a construir um governo democrático no pós-guerra, o acompanhei no papel de economista para as discussões sobre o futuro do petróleo na região. Trabalhei sete anos na ONU. Sofremos lado a lado o excesso de calor e a falta de segurança, as dificuldades no trabalho e a desconfiança da população, mas também compartilhamos o sonho de um futuro melhor.

A trajetória de Sergio Vieira de Mello foi pródiga, completa e refletem os episódios mais importantes dos últimos 40 anos. Sua atuação como mediador entre as hostilidades no Oriente Médio em 1982; a remoção dos resíduos da "Guerra Fria", com a pacificação do Khmer Vermelho e a repatriação de 400 mil refugiados cambojanos nos anos 1990; a explosão da militância sectária e étnica, e seus esforços para negociar um fim ao massacre na Bósnia.

Sergio teve o privilégio de empreender a mais difícil, mas ao final exitosa, experiência da ONU: liderar, junto com os patriotas timorenses, o processo de independência do Timor-Leste. Pela primeira vez, a ONU concretizava o sonho, inscrito em sua carta de fundação, de 1945, de construir desde o início a institucionalização de um país. Nesse caso, um país que havia sido ocupado e devastado por tropas colonialistas da Indonésia.

No momento de sua morte, Sergio ocupava o posto mais alto em direitos humanos na ONU - na entidade que muitos identificam como a "consciência do mundo".

Ainda sob choque do atentado ao qual sobrevivi, me vi inexplicavelmente removida das listas de sobreviventes. Além do estresse pós-traumático da explosão e da morte de Sergio e amigos, tive que lidar com o desumano abandono absoluto da ONU. Com a desculpa de não sermos formalmente "casados" e dentro da "política invisibilidade" do fracasso, a ONU me privou de direitos como funcionária e também como família.

Eu continuo lutando: por mim e pelos outros 200 sobreviventes. Porque Sergio foi uma pessoa importantíssima, senão a mais importante, na história da ONU; deixou um legado de compromisso com aqueles que sofrem em conflitos que assolam o mundo que até hoje ninguém, infelizmente, conseguiu superar.

Uma vez, frente a alguma das inúmeras frustrações que a gente enfrentava, ele me disse: "Vamos com confiança. O resto chega por conta própria". Então, aqui estou. Eu precisava escrever essas linhas para os queridos leitores, para lembrá-lo, mas também para transmitir uma mensagem nestes tempos difíceis com a Covid-19, que estão nos desafiando médica e economicamente, e compartilhar sua força e amor para continuar na luta: Vamos sim, com confiança - o resto irá chegar por conta própria. 

 

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