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Editorial: Um governo perdido
Opinião

Editorial: Um governo perdido

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Tipo Notícia

O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgado por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, revela ter o presidente da República, Jair Bolsonaro, pouco interesse pela administração de seu governo. Porém, muita disposição em usar o poder para resolver problemas familiares.

Mostra também a excessiva preocupação com a sua própria imagem, exigindo fidelidade canina de seus auxiliares. Ameaçou demitir aqueles que fossem elogiados pelos jornais Folha de S. Paulo e O Globo (Rio), renovando seu velho incômodo com a imprensa livre.

Quando falou em algo parecido com um programa de governo resumiu-se a listar, de forma desconexa, as suas "maneiras": família, Deus, Brasil, armamento, liberdade de expressão (contraditório com seu comportamento), livre mercado. E fez outra ameaça: quem discordasse de seu índex estaria no "governo errado".

A questão central do encontro não era a pandemia do coronavírus; os problemas da economia, propostas para destravar o recebimento do auxílio emergencial para quem precisa ou liberar empréstimos que os bancos negam aos pequenos empresários. A inquietação de Bolsonaro era com a "PF" que não lhe daria informações, impedindo-o de socorrer a família e amigos de supostas perseguições. Deixou claro ainda dispor de um sistema privado de informações, confessando uma ilegalidade.

O trecho mais temerário de sua altercação - recheada de palavrões - foi quando defendeu "escancarar a questão do armamento". "Quero todo mundo armado", disse o presidente, para combater uma suposta "ditadura" de prefeitos e governadores, quanto às medidas de isolamento social.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, fez críticas ao ambiente de Brasília e disparou: "Por mim, eu botava esses vagabundos todos na cadeia, a começar pelo STF". A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, foi no mesmo ritmo, propondo a prisão de governadores e prefeitos, por medidas tomadas durante a crise da Covid-19.

Por sua vez, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, quer aproveitar o fato de a imprensa estar voltada para a cobertura da crise sanitária para "passar a boiada", aprovando medidas infralegais para fazer alterações na área ambiental.

O vídeo não será a prova definitiva da interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF). Entretanto, o contexto, como já alertara o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, indica o claro aborrecimento do presidente com a PF. Assim, a gravação soma-se a outros indícios fortes, apontando para a interferência indevida do presidente na instituição.

No mais, Bolsonaro parecia discursar para seus adeptos mais fanáticos - cujo número é cada vez menor - e o vídeo deverá fazer sucesso entre eles. No entanto, a reunião deixou ver um governo sem rumo, acuado por delírios persecutórios, que se tornam cada vez mais graves e perigosos. 

 

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