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Juliana Diniz: Bolsonaro e a sua crise permanente
Opinião

Juliana Diniz: Bolsonaro e a sua crise permanente

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Juliana Diniz, doutora em Direito e professora da UFC (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Juliana Diniz, doutora em Direito e professora da UFC

O que se afirma nos sussurros dos bastidores de Brasília é que o ministro Celso de Mello teria ficado incrédulo com o teor do tão esperado vídeo da reunião interministerial ocorrida em 22 de abril. O evento tem uma importância chave no inquérito instaurado para apurar as denúncias sugeridas por Sergio Moro quando o ex-ministro da Justiça deixou o seu cargo no governo.

O vídeo promete ser uma pérola da cultura bolsonarista: palavrões à gosto, sugestões estapafúrdias de prisão de governadores e prefeitos, a hostilidade sempre renovada contra o maior parceiro comercial do País, a China. Celso de Mello, um homem público moldado na estrita formalidade dos meios jurídicos tradicionais, ficou com a responsabilidade de decidir se o teor integral do vídeo virá à público ou se devem ser resguardadas as parcelas menos republicanas do registro governamental.

Os observadores de sensibilidade mais delicada afirmam que o vídeo tem o potencial de gerar mais uma crise no tão instável governo de Jair Bolsonaro. A exposição crua de tantas hostilidades, intenções persecutórias e má educação colaborariam para corroer a governabilidade, minando qualquer tentativa de conciliação com o Legislativo, levantando as suspeitas de ameaças golpistas contra o Judiciário, e deixando claro que o Executivo é mesmo gerido por uma equipe tresloucada de incendiários sem qualquer noção de decoro.

Nas declarações que fez sobre o registro, o presidente mostrou pouca resistência em expor as imagens: a crise permanente tem sido, afinal, uma bem-sucedida estratégia de comunicação de Bolsonaro desde antes de ser governo. Graças a uma combinação de imposturas sempre renovadas e uma gestão inteligente das suas redes sociais, Bolsonaro nunca deixa de ser destaque na mídia. A promoção espontânea de sua imagem o torna invariavelmente o centro do debate público no País, e essa presença midiática parece ser seu capital político mais importante, que explica um índice de aprovação popular de seu governo incrivelmente resistente na casa dos 30%.

No ótimo livro A eleição disruptiva: por que Bolsonaro venceu, Maurício Moura e Juliano Corbellini mostram que a publicação de conteúdo explosivo nas redes sociais e as declarações públicas do então candidato tiveram o potencial não só de alimentar as bases mais raivosas da militância bolsonarista, mas de conseguir algo que Bolsonaro não tinha: tempo na TV e atenção constante da mídia. Concorrendo por um partido inexpressivo, a chapa tinha um tempo ínfimo de propaganda televisiva. Apesar disso, o candidato de extrema-direita não saiu da pauta, algo que, somado a uma combinação conjuntural de fatores, também ajuda a explicar o seu sucesso em se tornar presidente.

O vídeo promete animar o noticiário, mas provavelmente se somará a mais uma das crônicas do bolsonarismo no poder. A quem ainda pode chocar os palavrões do presidente ou a imagem de Abraham Weintraub ofendendo ministros do STF? Sua exibição serve, contudo, para desviar a atenção da opinião pública do que importa: um número alarmante de brasileiros continua a morrer e a política de saúde continua à deriva. 

 

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