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Mara Rosalia: Os mouros e o preconceito
Opinião

Mara Rosalia: Os mouros e o preconceito

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Mara Rosalia
Doutoranda em Administração pela UFPR
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Mara Rosalia Doutoranda em Administração pela UFPR

Quando meu pai estava fazendo sua pesquisa de mestrado sobre elementos da cultura moura (africana) na cultura brasileira, pude testemunhar como a percepção do pesquisador sobre a realidade vai mudando à medida que ele se apropria cada vez mais de determinado conhecimento, seja buscando por referências, seja pela reflexão.

Em casa, passamos a ouvir várias pequenas aulas sobre os mouros, a sua origem, a relação entre mouros e portugueses e como os traços culturais daqueles povos chegaram até o Brasil atual. Era um verdadeiro mundo que se abria sobre um fenômeno que existe, mas que não havia sido explorado por nós até então.

Toda essa situação virou uma piada pronta: "Isso também é mouro, pai?". No entanto, nada podia deter aquele pesquisador. Ele facilmente respondia "sim", "não" ou que aquilo podia ser considerado ora uma "herança" (relação mais direta), ora uma "ressonância" (relação indireta) cultural moura.

A percepção da realidade vai além de enxergar o imediato das coisas. O processo pelo qual passou meu pai - e passaria qualquer outra pessoa que se debruça sobre um fenômeno social - é constituído principalmente de duas etapas recursivas: uma fase de busca por referências e uma fase de reflexão.

Esse mesmo processo de percepção da realidade se aplica a uma conversa que tive recentemente com colegas da universidade sobre preconceito contra negros e pardos no Brasil. Eu me identifico como mulher negra e, para mim, é muito evidente o preconceito estrutural que pessoas negras e pardas sofrem por serem como são em diferentes ambientes sociais, como na universidade, na família, na igreja, dentre outros. No entanto, para aqueles colegas, esse tipo de preconceito foi relatado como algo tão distante da sua realidade que chega a ser um mito. Mudaram de assunto.

Ora, preconceito contra negros e pardos existe. Quem não enxerga essa realidade é porque não faz nenhum esforço na busca por referências - como depoimentos, reportagens jornalísticas, estatísticas, livros - ou decide não refletir sobre o assunto. Afinal é mais confortável não se meter e julgar como "mimimi". 

 

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