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Cleyton Monte: A novilíngua bolsonarista
Opinião

Cleyton Monte: A novilíngua bolsonarista

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Tipo Notícia Por
Cleyton Monte
Cientista político, professor universitário e pesquisador do Lepem (Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia)
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Cleyton Monte Cientista político, professor universitário e pesquisador do Lepem (Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia)

As distopias que fizeram sucesso ao longo do século XX ressaltavam o temor de regimes que pudessem alterar os dados do presente, a história e a própria linguagem. Os romances de Orwell, Huxley e Bradbury vão nessa linha. Em seu clássico 1984, George Orwell descreve a novilíngua, um idioma fictício criado por um governo totalitário para retirar termos e alterar o sentido das palavras. O objetivo era controlar o próprio pensamento e produzir uma nova construção social. A operação envolvia uma rede permanente de vigilância, propaganda e violência. Essas imagens literárias me foram despertadas a partir do acompanhamento da estratégia bolsonarista de ocultar os dramas do nosso tempo.

O modus operandi foi colocado em ação antes mesmo da eleição. Conceitos e momentos históricos são torturados em sua semântica mais básica. A ditadura se tornou gloriosa, o nazismo entrou na conta da esquerda, a luta dos movimentos sociais foi resumida ao "mimimi" ordinário, o porte de armas configurou-se política de segurança, a ciência como mais um ponto de vista, a escola perdeu o espaço do debate, o Estado laico não passaria de delírio e os artistas nada mais são que parasitas do erário. A lista é extensa. Ao chegar ao poder as artimanhas se tornaram mais complexas. A máquina pública exige múltiplas engenharias. Uma delas envolve ocultar a realidade. Assim, o Inpe foi proibido de divulgar os dados do desmatamento e o IBGE de atualizar informações sobre o desemprego. O Ministério da Educação (MEC) não apresenta os critérios para suas compras e decisões. O portal da transparência não esclarece os gastos com cartão corporativo e, mais recentemente, a saúde tratou de escamotear o painel da Covid-19. Como a novilíngua orwelliana, tudo que confronta o movimento deve ser sumariamente descartado.

Diferente do pesadelo distópico, ainda conseguimos perceber muitos grupos em atividade que lutam contra o canhão de fake news e tentam preservar a nossa frágil democracia. O bolsonarismo encontra-se longe da hegemonia sobre o pensar, mas lidera um movimento ativo que procura alterar uma série de conquistas e políticas públicas. Estamos em um jogo nefasto de avanços e recuos imprevisíveis. Uma era em que o sentido da democracia ganha interpretações grotescas e o cavaleiro do autoritarismo acena sorridente para a multidão! 

 

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