Desde a Presidência de Vargas, iniciada em 1930, a federação brasileira concentrou competências no nível da União, drenando de recursos institucionais e orçamentários os estados. No presidencialismo latino-americano, de modo geral, a relação entre Poderes constituídos pendeu para o Executivo, dito imperial. Legislativo e Judiciário tenderam a atuar reativamente, quando não a reboque.
Com Jair Bolsonaro, todavia, o Governo Federal vai se tornando crescentemente omisso. Trata-se de um cenário inédito e, dadas as características do Estado brasileiro, inusitado.
Bolsonaro não tem plano de metas. Elegeu-se sem fazer compromissos e detalhar ações. Seu programa de governo consistia num frágil conjunto de 81 lâminas de powerpoint. Em certo sentido, recebeu cheque em branco de 57 milhões de brasileiros.
Seu ministro da Economia não conseguiu sanear as contas e elevar o PIB. O crescimento de 1% em 2019 frustrou os que esperavam muito do cognominado "Posto Ipiranga" - referência a sua suposta onisciência. Em 2020, com o advento da pandemia, Paulo Guedes desapareceu. Teve de engolir o "PAC dos militares" e a desautorização pública.
Abraham Weintraub, responsável pela Educação, é outro que nada entrega. Virou joguete nas mãos do "centrão". Quando não está prestando contas à Justiça por sua incontinência verbal, está tramando contra as universidades públicas. Acumula derrotas em uma série de tópicos - FNDE, Enem, Future-se. Morto-vivo político que se mantém no cargo por pura teimosia do presidente.
A Saúde está acéfala há um mês. Nem ministro titular há. Em meio à maior epidemia vivida pela humanidade em um século, Bolsonaro escalou um general para responder pela pasta. O fracasso é retumbante: a curva epidemiológica parece indomável e as gafes de Eduardo Pazuello transformaram-no em fonte de memes. A gestão notabiliza-se pela maquiagem de dados oficiais e pela advocacia irresponsável da cloroquina como panaceia.
Esqueça as Relações Exteriores. O chanceler limita-se a endossar propostas estapafúrdias, produzir tensões e reagir ferinamente no Twitter e em seu blog pessoal. De uma inoperância absoluta. Isolado, até chega-para-lá do cultuado Donald Trump o governo levou. Curiosamente, ainda que Ernesto Araújo hostilize regularmente a China, as relações comerciais com Pequim seguem a todo vapor. Resta saber até quando.
Mesmo a maior vitória deste governo, a reforma da Previdência, pouco tem a ver com a chefia do Executivo. É quase unânime a percepção de que, não fosse a dedicação dos presidentes das casas congressuais à pauta, ela jamais teria sido aprovada. Bolsonaro, dizia-se à época, ajudava a causa quando se silenciava.
Diante da inércia de Brasília no combate à Covid-19, governadores e prefeitos resolveram "pegar o touro à unha". O STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu que caberia aos entes subnacionais tomar decisões relativas à decretação de quarentena e seus efeitos. Uma medida providencial, em face da escalada de letalidade e destruição no País.
O Palácio do Planalto, ao cabo, converteu-se em oneroso monumento à incompetência, "point" para manifestações de grupelhos que pedem um estrambólico "golpe militar constitucional" e, ironia suprema, vestem capuzes à moda dos supremacistas brancos estadunidenses.
Com a história pregressa de nosso primeiro mandatário, seria surpreendente se o desfecho fosse outro.