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Antônio Colaço Martins Filho: O homem-massa virtual em tempos de Covid-19
Opinião

Antônio Colaço Martins Filho: O homem-massa virtual em tempos de Covid-19

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Antônio Colaço Martins Filho
Chanceler do Centro Universitário Fametro (Unifametro)
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Antônio Colaço Martins Filho Chanceler do Centro Universitário Fametro (Unifametro)

Em 1929, José Ortega y Gasset denunciou a emergência do homem-massa, cuja conduta caracterizou, entre outros aspectos, pela convicção de que é capaz de emitir opiniões sobre todo e qualquer assunto. Hodiernamente, floresce nas redes sociais um rol de comportamentos análogos àqueles descritos pelo escritor espanhol.

A noção de que todos são iguais e especiais - independentemente das capacidades inatas e do esforço pessoal - impele muitas pessoas a concluir que já possuem todos os elementos necessários para forjar ideias sobre todo e qualquer assunto. Assim, convicto de sua autossuficiência intelectual, o homem-massa virtual emite opiniões peremptórias e inegociáveis sobre assuntos que não domina (por exemplo, diagnóstico e tratamento de patologias, políticas públicas de saúde etc).

O "hermetismo intelectual" é potencializado pelas redes sociais, onde opera em modo binário e superficial, ao sabor dos likes e dislikes. Assim, o homem-massa virtual esconjura opiniões que violem o seu credo político; é condescendente com manifestações infundadas, que acolhe e compartilha, desde que se compaginem com suas preconcepções; esquiva-se de questionamentos e se mostra cético em relação a informações que ponham em xeque seus ídolos, em que pesem os sobejos argumentos em sentido contrário. Em suma, rejeita a própria ideia de aprofundar argumentos que divirjam do seu conjunto de crenças.

A bem da verdade, a atitude do homem-massa não é um traço de personalidade que acomete certos indivíduos intelectualmente menos afortunados ou relapsos, mas pode estar presente em nossas atitudes cotidianas virtuais e analógicas. Tendo em vista a mixórdia de informações que nos invadem os écrans e tomam nossa atenção de sequestro, é forçoso reconhecer a inviabilidade de emitir opiniões sensatas, equilibradas e racionais sobre todo e qualquer assunto.

A humildade intelectual recomenda que nos abstenhamos de tecer comentários quando nos falta conhecimento acerca da matéria. Ademais, tendo em vista que nossa atenção é limitada, faz-se necessário restringir a quantidade de informações a que nos expomos. O respeito aos valores próprios e dos outros ganha cada vez mais importância numa época onde as velas da vaidade fremem, ao sabor dos ventos, alimentando as veleidades dos perfis virtuais. 

 

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