Há um rio, cujo qual separa em suas margens ribeirinhos facilmente identificáveis, conforme o efetivo usufruto dos benefícios das suas águas. De um lado, aqueles que têm a projeção de um futuro promissor, pertencentes a grupos de alto poder aquisitivo, que com o uso da água de forma abundante e eficaz, inserem-se na cultura do "viver com qualidade".
Do outro lado, os ribeirinhos que tiveram escasso acesso àquela água ofertada, que esforçam-se, mas diferente dos demais, apropriam-se da cultura da sobrevivência. Não é sobre "viver", mas sim "sobreviver".
Este rio a que me refiro, é a educação de qualidade, que apresenta relação direta com o acesso ao ensino superior e escalas de poder de decisão.
E a metáfora acima, embora singela, retrata fielmente a realidade social da grande maioria dos jovens do nosso País pertencentes a classe média e baixa, cerca de 80,4 % da população, cujos quais mais de 55,8 % são negros e negras, segundo índices do IBGE.
O alto número da população negra neste índice não surge pelo acaso. Resulta de um processo histórico e vergonhoso que perdurou por mais de 400 anos, onde seus ascendentes foram tolhidos do direito de primar pela vida e quem dirá a educação .
Sobreveio, então o memorável 13 de maio de 1888, mas a ausência de preocupação estatal para com a vida, bem-estar e futuro dos recém abolidos, trouxe por consequência grande desfalque estrutural no sentido social e, por conseguinte, acadêmico, que perdura até os dias de hoje com impacto direto na inexpressividade dos negros em posições de destaque profissional, do que se inclui docentes no nível superior.
A situação é ainda mais grave quanto as mulheres negras, maiores vítimas da interseccionalidade abordada pela professora Kimberlé Crenshaw da UCLA.
A mudança depende de um agir estatal. É preciso ressuscitar o fôlego de vida da ideia de que a educação de qualidade é a única alternativa para a verdadeira liberdade e mudança do quadro atual.
Em um Estado, cujo modelo liberal-econômico vem sendo diariamente redesenhado, a educação que é chave mestra para a mudança do cenário econômico e social, deve ser vista como aliada e não como obstáculo às primícias estatais. Só assim alcançaremos a sociedade livre, justa e solidária preconizada como objetivo fundamental da República, no artigo 3º, III da Constituição Federal de 1988.