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Paulo Henrique Martins: Racismo e dilemas estruturais
Opinião

Paulo Henrique Martins: Racismo e dilemas estruturais

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Paulo Henrique Martins, professor da UFPE e ex-presidente da Associação Latino-Americana de Sociologia (Alas) (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Paulo Henrique Martins, professor da UFPE e ex-presidente da Associação Latino-Americana de Sociologia (Alas)

O assassinato recente de um negro, George Floyd, por um policial branco, nos Estados Unidos, deflagrou uma onda de protestos mundiais. Isto se explica em parte devido ao alto nível de tensão inter-racial que marca a vida política nos States. Mas há questões históricas mais profundas a respeito da questão racial e que emergem, agora, em várias sociedades nos contextos de crise econômica, política e sanitária.

O racismo revela uma questão racial mais ampla que se oferece para duas reflexões. Numa perspectiva antropológica, a questão racial está ligada às práticas discriminatórias revelando lutas por reconhecimento identitário tendo como foco central diferenças étnicas associadas a outras, religiosas, de gênero e sexuais. Numa perspectiva sociológica, a questão racial está inscrita no coração do programa do capitalismo colonial nas suas faces política, simbólica e moral. Aqui, é importante entender a tese formulada pelo sociólogo Anibal Quijano que considera a raça uma categoria classificatória do imaginário colonial, uma condição técnica para justificar a colonialidade do poder. Neste caso, a questão racial inspirou o projeto colonizador com suas ações militares, econômicas e religiosas. A raça passou a ser um dogma inquestionável na aventura colonial até hoje, servindo para justificar hierarquias de poder que separam "naturalmente" os "homens brancos" colonizadores, vistos como culturalmente superiores, e os demais, não brancos, como moral e cognitivamente inferiores.

As lutas antirraciais extrapolam a dimensão simplesmente étnica e inclui aquelas relacionadas com o pluralismo de identidades que fixa as personalidades sociais. Neste século XXI, o racismo estrutural racha o arco ideológico da identidade nacional, neutralizando o poder organizador dos Estados nacionais. O aparelho estatal se torna mais repressivo e menos regulador dos conflitos sociais e culturais. A sociedade civil se fragmenta. Provavelmente, estamos presenciando a inauguração de um tipo de sociedade pós-colonial onde Deus vai aparecer a todos igualmente como negro, índio e branco. 

 

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