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José Angelo Machado: A Covid-19 e o federalismo
Opinião

José Angelo Machado: A Covid-19 e o federalismo

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
José Angelo Machado
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal José Angelo Machado Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Países que adotaram estratégias de distanciamento social coordenadas nacionalmente foram bem sucedidos na contenção da pandemia; os que não o fizeram, colheram os piores resultados. Entre os últimos se destacam o Brasil e os Estados Unidos. Ambos governados por presidentes negacionistas, ambas federações de grande extensão territorial em que governos estaduais e locais adotam estratégias discrepantes e descoordenadas frente à Covid-19.

No federalismo brasileiro, como em outros mundo afora, a opção por assegurar direitos sociais nacionais requereu mecanismos de coordenação das ações de estados ou governos locais para atingir objetivos nacionais, como ocorreu no nosso SUS. A Emenda Constitucional 29/2000 fixou despesas mínimas com saúde para cada nível de governo; as transferências condicionadas de recursos induziram programas nacionais estruturantes como o Saúde da Família em escala nacional; e arenas federativas de pactuação como a Comissão Intergestores Tripartite fizeram com que o SUS se tornasse "único". Era grande vantagem em relação à federação norte-americana no enfrentamento à Covid-19, mas o Governo Bolsonaro a jogou fora, assim como desprezou o aprendizado institucional do Ministério da Saúde, agora militarizado e esvaziado tecnicamente.

Sem coordenação central, estados e municípios passaram a atuar fora de uma estratégia nacional de contenção diante de um vírus que não respeita fronteiras. A diversidade decisória, típica do federalismo americano, amplia sobremaneira suas chances de permanência e estragos nas duas federações, como mostra o crescimento da pandemia no Centro-Oeste e Sul brasileiros ou no Sul dos Estados Unidos. O dilema de estados e municípios entre ceder ou não ao relaxamento não é um problema individual, mas coletivo, de toda a federação. É dos governos centrais o papel de evitar que governos subnacionais façam escolhas em prejuízo da coletividade, induzindo a cooperação de todos para que cada um se "salve do próprio egoísmo". Nem Bolsonaro, nem Trump estão dispostos a exercer este papel: eles próprios atacam suas federações enquanto a Covid-19 nos dá mais uma lição sobre os problemas de ação coletiva. 

 

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