Logo O POVO+
Juliana Diniz: A recusa da guerra
Opinião

Juliana Diniz: A recusa da guerra

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Juliana Diniz, doutora em Direito e professora da UFC (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Juliana Diniz, doutora em Direito e professora da UFC

Nos últimos artigos, conversei com o leitor sobre a possibilidade de se pensar uma visão alternativa de política, a partir da perspectiva do cuidado. Estou convencida que a política nunca foi tão necessária e, ao mesmo tempo, estamos imersos em uma atmosfera de pessimismo potencializada pela crise de saúde que nos impede de vislumbrar novas possibilidades de uma prática política verdadeiramente democrática. Este é o desafio que se apresenta a nós como sociedade e que deveria concentrar nossas melhores energias.

Que estratégias, caminhos e experiências podem suscitar essa renovação que se impõe como necessidade? Qual é o ponto de esgotamento que precisamos explorar? Para responder, gostaria de convidar o leitor para refletir sobre o futuro próximo: a rodada eleitoral que se avizinha. Será uma eleição municipal inteiramente atípica, em que boa parte da campanha acontecerá virtualmente, mobilizando novas linguagens e formas de articulação. Em 2018, o deslocamento das campanhas e da propaganda para formas de comunicação não tradicionais já foi uma tendência importante. Neste ano, o desafio de fazer uma eleição acontecer em meio a recomendações de isolamento social deve não só confirmar a força daquela tendência, mas amplificá-la em razão dos cuidados sanitários.

O desenvolvimento e a experimentação de novas linguagens em meios não tradicionais tem sido uma constante nos grupos ultraconservadores de direita desde que, em 2013, as manifestações de rua no Brasil indicaram a existência de uma tensão política crescente. Insatisfação popular, degradação econômica e ressentimentos guardados foram exaustivamente explorados através de canais de comunicação não rastreáveis (como o WhatsApp), ajudando a alterar a percepção de realidade de uma parte significativa do eleitorado.

Uma combinação eficiente de produção de fake news em escala, partidarização de instituições de controle e expertise nas redes sociais tornou todo o sistema político refém de uma certa narrativa: a de que estamos em guerra contra inimigos não claramente identificáveis como a corrupção, a ideologia de gênero, o comunismo chinês. O investimento na retórica da guerra é estratégia eleitoral inteligente, porque é só por acontecimentos catastróficos como a guerra que se consegue mobilizar parcelas tão heterogêneas da sociedade em torno de um projeto comum: eleger um salvador.

Uma política alternativa deve, portanto, partir de dois pressupostos estratégicos: o de que não estamos em guerra e o de que é necessário investir em inteligência comunicacional. Aceitar que não estamos em guerra significa pensar em formas de comunicação menos reativas e destrutivas - menos focadas na eliminação do inimigo. Para dizer de outro modo, é necessário curar essa obsessão com os factoides e trabalhar pela mobilização potente de um discurso que possa suscitar sentimentos como esperança, confiança e alegria em relação ao futuro. Não é por outra razão que o youtuber Felipe Neto se tornou um alvo dos ultraconservadores. Ele parece ter entendido o recado e começado a trabalhar com eficiência e impacto na arena onde as mentalidades serão disputadas: a internet. 

 

O que você achou desse conteúdo?