O relacionamento de governantes com a imprensa não é exatamente um campo fertilizado pela harmonia porque uma das funções do jornalismo é monitorar o setor público, cobrar resultados, denunciar, investigar e apresentar visões críticas. Muitos governantes entendem o papel fiscalizador do jornalismo e o respeitam. Ainda que possam se sentir por vezes injustiçados, aproveitam opiniões e reportagens para refletir, aperfeiçoar e corrigir suas administrações. No lado oposto, não são raros governantes que se consideram perseguidos e reclamam aberta e frequentemente do trabalho da imprensa.
Tais circunstâncias são normais e até previsíveis. A imprensa não é imune a críticas e tem porosidade para absorver visões em contrário, na busca de melhor atender o público. O problema é quando surge uma terceira figura: o governante que só respeita relatos de bajuladores, ignora a função da imprensa e passa a usar caneta e palanque para atacar veículos, ofender jornalistas e, no último grau, garrotear meios de comunicação.
No caso do presidente Jair Bolsonaro, às constantes ofensas e ameaças a jornalistas - o uso do palanque - se soma à edição de duas Medidas Provisórias - o uso da caneta - para procurar retirar receitas publicitárias dos jornais originadas em balanços e editais com a alegação de que era uma "retribuição" à cobertura que havia recebido. As duas MPs acabaram revertidas no STF e no Congresso, instituições sob constantes críticas mas que compreendem o papel da imprensa em uma democracia.
Sempre que atravessam a linha do razoável, as reações de Bolsonaro lembram alguns governantes latino-americanos recentes. Cristina Kirchner, na Argentina, sonegou verbas publicitárias, atacou jornalistas e perseguiu jornais críticos a ela; Rafael Correa, no Equador, aprovou uma legislação com multas que sufocavam os veículos que o denunciavam; e - no grau mais alto de autoritarismo - Hugo Chávez, na Venezuela, teve êxito em devastar a antes vigorosa imprensa livre de seu país.
Em boa parte pela ação das instituições e de vozes sensatas dentro do governo brasileiro, o presidente Bolsonaro não cruzou os limites derradeiros de seus congêneres. Mas a sociedade brasileira deve seguir em guarda alta para que a imprensa, além de vigilante, permaneça livre e independente para continuar como um dos pilares essenciais da democracia.