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Dawisson Belém Lopes: Candidato ao rebaixamento
Opinião

Dawisson Belém Lopes: Candidato ao rebaixamento

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Dawisson Belém Lopes 
Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Dawisson Belém Lopes Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG

No dia 17 de agosto último, o jornal Folha de S. Paulo reportou, sem alarde, que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais tinha perdido praticamente todo seu orçamento de pesquisa para 2021. Segundo servidores da Casa, eram recursos que viabilizariam investigações científicas e inovações tecnológicas, pois voltados à aquisição de insumos, equipamentos, publicações, etc.

Não era notícia trivial. Não bastasse o histórico de enfrentamentos entre membros daquela burocracia federal e chefia do Poder Executivo, sobretudo em temas de meio ambiente, do que resultou a demissão do renomado cientista Carlos Nobre da presidência do Inpe, agora o corte atingiria em cheio uma área tecnológica de ponta.

A impressão, sopesados diversos fatores, é que tal intervenção pode ser mais nefasta para o futuro do Brasil do que se dimensiona num primeiro olhar. Senão, vejamos. Todo país com pretensão de protagonismo bota dinheiro em pesquisa espacial, não tira. Afinal, quem desinveste fica fora do jogo. Embora a nova corrida ao espaço, em curso, não tenha exatamente a conotação da Guerra Fria, chegar à lua ou ao planeta vermelho segue como índice de prestígio. E é, inequivocamente, sinal da capacidade de uma nação operar na fronteira tecnológica, integrando um circuito econômico sofisticado.

Os pioneiros Estados Unidos lideram essa corrida. Sua agência - a Nasa - reúne muitos dos mais talentosos cientistas do planeta. O orçamento é estável por décadas e o compromisso com sua continuidade é sólido como rocha. Até porque, a esta altura, a China já equilibrou a disputa pela primazia no espaço. Desde 2012, Pequim chegou duas vezes à lua com tecnologia autóctone e tripulação nacional. Xi Jinping entende a relevância geopolítica e geoeconômica da agenda. Moscou, desafiante de Washington nos anos de 1960 e 1970, tampouco abandonou seu programa e buscará, ao longo da década, imitar os passos chineses. O Kremlin não abdicará da luta por recursos que podem existir no espaço sideral.

Não são apenas tubarões a sentar-se à mesa. O crupiê também admite apostadores medianos. Japão e Coreia do Sul, por exemplo, tentam converter sua perícia em robótica em lastro para um programa espacial. Israel, Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes não escondem pretensões de competir na zona extra-atmosférica. Há disputa ao sul da Ásia pela dianteira na corrida ao espaço: Nova Délhi em vantagem momentânea, Islamabad no encalço. A União Europeia tem uma agência própria e várias iniciativas nacionais encontram-se sob o toldo de Bruxelas. Até a União Africana, ultimamente, tem cogitado um programa conjunto para o continente.

E o Brasil? A retórica de que Bolsonaro posicionaria o País na corrida ao espaço chegou a ser levada a sério por gente boa. Um astronauta foi feito ministro. É fato que nossa defasagem histórica no campo é grande. Enquanto, em valores de 2015, os Estados Unidos reservavam 17 bilhões de dólares anuais para seu programa espacial; o Japão, 3,7 bilhões; e a Índia, 1,2 bilhão; o Brasil só previa 70 milhões de dólares.

Pesquisa jamais foi prioridade deste governo. Nem mesmo em área vinculada de forma orgânica a interesses militares. Ainda assim, o flerte com o atraso - e o prejuízo econômico que essa renúncia potencialmente acarretará - impressionam. O rebaixamento do Brasil à série B das relações internacionais será inevitável. 

 

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