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Raquel Andrade: Justiça racial e mulheres negras
Opinião

Raquel Andrade: Justiça racial e mulheres negras

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Tipo Notícia Por
Raquel Andrade
Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-CE
 (Foto: Barbara Moira/O POVO)
Foto: Barbara Moira/O POVO Raquel Andrade Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-CE

O controle das narrativas e produção do conhecimento configura uma das heranças históricas da oligarquia rural, escravocrata e patriarcal que sedimentam práticas racistas e alimentam a discriminação do saber preto e feminino. Assim, a violência gênero-racial historicamente integrou-se à construção do ordenamento jurídico brasileiro.

A premissa da verdade eurocêntrica incorporou-se ao Brasil colônia de modo que a sobreposição de existências introjetou nas estruturas sociais a subalternização científica racial e de gênero, de maneira que o Direito brasileiro, enquanto ciência que confere sentido ao regramento de condutas é hoje masculinizado, embranquecido e elitizado. O Estado, por ação, omissão ou negação de protagonismo juspolítico, tornou-se agente de violação dos direitos fundamentais do povo negro, sobretudo das mulheres pretas.

A lei brasileira já previu o conceito de "mulher honesta", a perda da virgindade como causa para anulação do casamento e a não concessão de plena capacidade civil às mulheres casadas. Considerando que as mulheres negras representam 73% das vítimas dos casos de violência sexual no Brasil (UFBA, 2017) e 61% dos casos de feminicídio (Anuário de Segurança Pública, 2018), este patriarcalismo branco impregnado na produção jurídica é diretamente responsável pela reprodução do machismo que atinge de maneira mais grave mulheres negras e periféricas.

Da mesma forma, é perceptível o atraso legislativo na garantia dos direitos da população negra em razão do lapso de mais de 100 anos entre a promulgação da Lei Áurea (1888) e da Lei de nº 7.716 (1989), que definiu os crimes de racismo no Brasil. Tal omissão legislativa invisibilizou e silenciou a necessidade de proteção da vida e integridade da existência negra.

Em síntese, a desconstrução do racismo estrutural e da hierarquização gênero-racial atravessa não somente as ciências jurídicas, mas a construção de novas verdades teórico-científicas. A promoção de uma educação antirracista e não machista do ensino básico até a academia aliada ao incentivo à pertença racial, apontam para uma nova perspectiva do saber negro e feminino, necessários à ressignificação institucional e educacional. No Brasil não haverá justiça social enquanto não houver justiça racial. E esta justiça racial, virá pelas mãos das mulheres negras. 

 

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