Logo O POVO+
Juliana Diniz: A irresponsabilidade de Narciso
Opinião

Juliana Diniz: A irresponsabilidade de Narciso

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Juliana Diniz
Doutora em Direito e professora da UFC
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Juliana Diniz Doutora em Direito e professora da UFC

O desconforto dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante as sessões da semana era visível. O colegiado foi chamado a referendar uma decisão controversa, mas necessária do presidente da Corte. Agindo para preservar a imagem do STF, Luiz Fux suspendeu liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio em habeas corpus impetrado por André do Rap. O resultado da decisão de Marco Aurélio era bastante previsível: o narcotraficante foi colocado em liberdade e horas depois já estava foragido, para desespero da sociedade e dos investigadores que trabalharam durante anos para sua prisão.

Convido ao leitor a uma reflexão que tem pouco a ver com tecnicalidade processual. Meu desejo é avaliar o potencial corrosivo da atuação individual e irresponsável de um ministro da mais alta Corte de justiça do País, mostrando que, para além dos efeitos sentidos nos limites do próprio processo, cada decisão de um juiz do STF tem o potencial de interferir estruturalmente no sistema jurídico, colaborando para fortalecê-lo ou desorganizá-lo.

Os ministros julgaram com desconforto porque foram obrigados a admitir, diante de um caso "atípico e indesejável", que o presidente do tribunal poderia suspender os efeitos da decisão de outro ministro da Corte. Trata-se de uma tese rejeitada pelo STF por um motivo claro: não existe hierarquia dentro do colegiado e atribuir tal poder ao presidente equivaleria a investi-lo de poderes extraordinários, tornando-o um juiz com poderes de censor. O caso de André do Rap, no entanto, levou os ministros a um limite. Ao colocar em liberdade um dos mais perigosos criminosos do País, Marco Aurélio criou uma situação não só de urgência para o caso de André do Rap, mas para a própria imagem pública do Supremo Tribunal Federal. Com constrangimento, todos os ministros foram obrigados a referendar a decisão de Fux, criando um precedente perigoso.

A decisão de Marco Aurélio foi irresponsável por inúmeros motivos. Em primeiro lugar, porque foi proferida sem que o ministro tenha tido o cuidado de ouvir o Ministério Público antes de decidir. Esse cuidado seria imperioso graças aos efeitos nocivos que a decisão pela soltura teria: é ingênuo achar que a libertação do chefe de uma organização criminosa ficaria tranquilamente em sua residência esperando as ordens do tribunal para se reapresentar. Colocá-lo em liberdade e assumir o risco de fuga era, no caso, por em xeque a força do aparato policial como um todo e de seu potencial de conter o avanço do crime organizado. Um escárnio.

Mas há um outro efeito: Marco Aurélio colocou em risco um bom dispositivo legal, incluído recentemente no Código de Processo Penal com a função de evitar que presos permaneçam indefinidamente encarcerados sem decisão judicial condenatória definitiva. Não preciso lembrar que nem todos os presos são André do Rap e que há casos de inocentes que ficaram 14 anos presos sem formação de culpa. O artigo da lei entrou na mira do Congresso e pode ser revogado. Sob todos os aspectos, temos um caso em que a vaidade de um juiz contribuiu não só para a corrosão da autoridade do STF, mas para o prejuízo do avanço do Direito Penal do País. 

 

O que você achou desse conteúdo?