Há certo tempo que escrevo sobre os encantados a partir de minha relação com uma mãe de santo. Essa mulher negra, velha e poetisa alimenta-se de um passado como retirante e artesã de destinos encantados. Para ela, é fundamental a concepção de um mundo encantado, isto é, um mundo abençoado por forças espirituais poderosas que circulam nele desde suas origens. Essas forças reconciliam nossa terra com inúmeras possibilidades de mundos, de modo que a vida humana se torna apenas uma possibilidade entre tantas formas de existência.
O trabalho do médium é construir pontes entre vários mundos e permitir que entidades acessem a terra por meio de sua carne e possam fazer seus trabalhos espirituais. Portanto, não poderia ser fácil anunciar a presença do mistério na vida das pessoas; não é fácil encontrar-se com entidades que desafiam a racionalidade humana ao se manifestar como "O Insondável". Deste modo, a mãe de santo com quem converso se torna representante das vozes encantadas neste mundo.
Os encantados são vozes do mistério e eles nunca revelam exatamente do que são feitos. Desvelar esse segredo é tarefa de nossa imaginação. Os sonhos, as visões, as viagens entre o sono e a vigília são as formas mais recorrentes através das quais imaginamos os encantados. Por isso, é muito importante que estejamos abertos para sonhar, para navegar em direções que ultrapassam os nossos limites racionais. A nossa mente precisa estar aberta a fim que de os encantados possam nos dizer as coisas que anunciam.
Tenho certeza de que essa percepção de um mundo encantado como uma criação humana pode nos orientar para formas de pensar que sejam mais generosas, que centralizem o mistério como força produtiva do nosso conhecimento e possa nos sensibilizar para o reconhecimento de pessoas com uma profunda sabedoria, neste caso, uma mãe de santo negra e velha em toda a extensão poética que essas palavras podem alcançar.