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Juliana Diniz: O professor Bonavides vive
Opinião

Juliana Diniz: O professor Bonavides vive

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Juliana Diniz
Doutora em Direito e professora da UFC
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Juliana Diniz Doutora em Direito e professora da UFC

Ontem o professor Paulo Bonavides, um dos maiores constitucionalistas brasileiros, nos deixou. Penso que o melhor obituário para um homem da sua estatura intelectual seja uma reflexão séria sobre a obra que ele deixou, mostrando não só a relevância teórica, mas seu potencial político para o futuro. Um bom professor, afinal, é um ser mítico porque tem o privilégio de não morrer em espírito, frutificando mesmo na ausência. Que outra força, além das ideias e das palavras, pode permanecer após o fim material do corpo, acompanhando gerações e debates que acontecerão no futuro?

Gosto de pensar que o professor ficaria feliz em saber que, após sua morte, suas linhas continuam vivas, assim como sua presença sempre esteve nos corredores da Faculdade de Direito da UFC desde sua aposentadoria. Paulo Bonavides não era apenas uma referência obrigatória para estudo, era sobretudo um mestre que, tendo compartilhado aquelas mesmas salas, permanecia muito próximo. Sua presença nos era também lembrada pelo sobrenome de um autor alemão escrito em giz com a sua caligrafia, e, por alguma razão química que desconheço, fixado até hoje no quadro negro da sua sala de aula no Programa de Pós-graduação em Direito. Nada mais poético do que permanecer vivo também pela inscrição permanente de sua caligrafia em giz.

Em gratidão e como sua ex-aluna, constitucionalista, egressa e hoje professora da Faculdade de Direito da UFC, me dedico a compartilhar com o leitor não a intimidade do homem Paulo, um homem com uma biografia extraordinária por ter sido uma testemunha viva de boa parte da história do século XX, mas a força da sua obra, em lampejos que podem ser importantes para entendermos o nosso presente.

Professor Bonavides foi, em primeiro lugar, um entusiasta fervoroso da cultura democrática, tornando a defesa de seus princípios um traço constante de seu pensamento. Em seu livro Teoria da democracia participativa, o professor almeja um "direito constitucional de luta e de resistência", que possa viabilizar uma "repolitização da legitimidade", uma obra nascida do trauma de quem testemunhou a ditadura e denunciou os vícios de origem das constituições do regime.

Essa a maior força de seus livros, o fato de terem sido concebidos por quem teorizava no testemunho apaixonado de acontecimentos políticos extremos. Assim lemos os seus diagnósticos ora esperançosos ora desencantados em livros como Do estado liberal ao estado social e Do país constitucional ao país neocolonial.

Mais do que leitor de conjunturas políticas, o professor Paulo Bonavides é também o autor a acompanhar os primeiros passos de quem se aventura a estudar o sistema jurídico nas melhores faculdades de direito do País. Obras como o seu Ciência política, Teoria do Estado e Curso de Direito Constitucional nos ajudam a entender a complexidade do poder e a força da ideia implícita no sentido moderno de constituição.

Por toda a energia luminosa de suas linhas, Paulo Bonavides vive e deve ser celebrado com alegria, sobretudo neste tempo em que forças obscuras ameaçam a estabilidade da obra magna que ele ajudou a construir: a democracia brasileira. 

 

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