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Cláudia Leitão: José Napoleão, Rui Barbosa e a memória das cidades
Opinião

Cláudia Leitão: José Napoleão, Rui Barbosa e a memória das cidades

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Cláudia Leitão, professora da Uece e sócia da Tempo de Hermes Projetos Criativos 
 (Foto: IANA SOARES)
Foto: IANA SOARES Cláudia Leitão, professora da Uece e sócia da Tempo de Hermes Projetos Criativos

Depois de quase 19 anos deixo o edifício Atlantis, na rua José Napoleão, para morar na avenida Rui Barbosa. Penso na hierarquia entre ruas e avenidas na Cidade, que se manifesta por meio dos personagens que as nomeiam. No início dos anos de 1980, escreveu-me o querido arquiteto Delberg Ponce de Leon, "quando a cidade se verticalizava e a orla passou a ser a menina dos olhos dos incorporadores imobiliários, apresentaram-nos o terreno para o futuro edifício Atlantis que, visto da Praia de Iracema, onde se situava nosso escritório, parecia o local ideal para um 'outdoor' edificado.

A predominância das linhas horizontais, nas fachadas dos outros prédios existentes na área, levou-nos a realizar uma ousada proposta para impactar a reinante monotonia. A existência de um elemento vertical, com uma grande fenda, dominaria o plano da fachada principal, franqueada pela ampla visão do espaço do futuro Jardim Japonês. A pele do edifício foi tratada com o jogo de luz e sombra propiciado pelos relevos de seus elementos. Cada pavimento assumiu sua individualidade oferecendo ao conjunto uma forma dinâmica e única".

O Atlantis, com sua bela fachada, é cada vez mais essencial à paisagem da nossa sempre cambiante Beira-Mar, no entanto, poucos são os transeuntes dessa rua íngreme que sabem quem foi José Napoleão. Escravo que comprou sua alforria e de sua mulher, Tia Simoa (grande liderança feminina e negra da causa abolicionista), tornou-se jangadeiro e, em 1881, encabeçou uma primeira greve que paralisou o Porto de Fortaleza para impedir o tráfico negreiro.

Mas as narrativas oficiais escolheram o abolicionista empresário e alfabetizado, o Chico da Matilde, para personificar o mito abolicionista. Será ele que viajará, em 1884, para a capital do Império para ser ovacionado como o "Dragão do Mar". Saio da José Napoleão para morar na Rui Barbosa, o grande jurista que, na tentativa de evitar as indenizações oriundas da Abolição, mandou queimar todos os títulos relativos à propriedade dos escravos. Entre ruas e avenidas de Fortaleza memórias se esvaem e a história continua a ser implacável com os verdadeiros heróis. 

 

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