No momento em que escrevo, quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiram favoravelmente à reeleição para o cargo de presidente da Câmara de Deputados e do Senado Federal. Caso a maioria se confirme, a corte abrirá espaço para recondução de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. O julgamento do STF é acompanhado com ansiedade por um motivo claro: mudanças na direção das casas legislativas podem representar todo um redesenho na distribuição de forças políticas, aumentando a pressão sobre o governo federal.
Rodrigo Maia é o opositor mais ameaçador que Jair Bolsonaro tem diante em si, uma oposição estimulada pelo presidente da República. Depois de acenar a Bolsonaro no início do governo, Maia viu as hostilidades do clã progredirem para o enfrentamento aberto e um tanto inexplicável. Rodrigo Maria já era no início de 2019 um presidente da Câmara dos Deputados poderoso, e poderia viabilizar uma coalizão para assegurar não só governabilidade como a evolução da agenda de reformas.
A performance errática da gestão e as sucessivas investidas de Bolsonaro contra qualquer senso de razoabilidade política acabaram por impulsionar o poder de Maia e Alcolumbre: não demorou até que se consolidasse a narrativa de que os presidentes das casas legislativas têm tido o papel fundamental de garantir alguma estabilidade à República. Embora pareça já assentada na percepção dos bastidores de Brasília desde o ano passado, essa afirmação pôde ser ouvida de forma cristalina e objetiva em entrevista durante a semana, saída da boca do recém-eleito Eduardo Paes, futuro prefeito do Rio de Janeiro.
Em um jogo cuidadoso de habilidade e conveniência, Maia e Alcolumbre têm calibrado sua postura nos últimos dois anos para demonstrar força quando é preciso conter os arroubos presidenciais e se omitir quando é conveniente aliviar o ambiente político, evitando o caos. Uma reeleição dos dois parece interessante não só para o DEM, mas para partidos à esquerda e à direita empenhados em ver o governo sangrar. Assim poderão construir candidaturas fortes o bastante para derrotar Bolsonaro em 2022.
O problema desse arranjo político é, contudo, bastante simples de entender e se situa no plano jurídico: a Constituição proíbe essa possibilidade. E afirmo com segurança, sem qualquer traço de dúvida interpretativa, graças à literalidade indiscutível do artigo 57, parágrafo 4º da Carta Constitucional. O leitor sabe que o Direito tem seus espaços de sombras, que exegetas muitas vezes perdem-se por décadas em disputas por palavras, mas não é o caso. O dispositivo do artigo 57 é uma regra fácil de entender, de interpretar e aplicar. A reeleição é juridicamente proibida na hipótese.
Caso o Supremo resolva ignorar a Constituição, o fará contra a lei, por motivo de conveniência política. Passará a mensagem de que se vê como um poder constituinte permanente. Um gesto em tudo lamentável e preocupante. Uma "falcatrua constitucional", como escreveu Bruno Boghossian no jornal Folha de S. Paulo. Vou invocar um brocardo aparentemente datado, mas ainda útil, que podemos aplicar em favor da democracia e da justiça: a lei é dura, mas é lei. O Supremo deveria ser fiel a isso.