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Fernanda Santos: Mercado de trabalho negro
Opinião

Fernanda Santos: Mercado de trabalho negro

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Tipo Notícia Por
Fernanda Santos 
Analista do Instituto Identidades do Brasil, mestranda em Relações Étnico-raciais e escritora
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Fernanda Santos Analista do Instituto Identidades do Brasil, mestranda em Relações Étnico-raciais e escritora

Iniciaremos esta conversa olhando para Bertoleza e Firmo, personagens do romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo, de 1890, dois anos após a abolição da escravatura. Bertoleza, trabalhadora, submissa, sonhava com a liberdade, escrava de João Romão português dono dos empreendimentos. João Romão forjou uma carta de alforria para que ela trabalhasse para ele. Firmo, capoeira, vadio e presunçoso. Amante da Rita Baiana, mulato bonachão, não tinha músculos, tinha nervos. Eles poderiam representar duas funções do mercado de trabalho: a empregada doméstica e o segurança.

Por que essa alegoria em nossa conversa? O mercado de trabalho para população negra ainda reflete o modelo de produção que desumaniza o corpo negro como produto. Em 2020, dois cidadãos nos fazem refletir: o segurança do Carrefour e Mirtes, mãe do Miguel. Cabe o cuidado e a manutenção do bem estar de quem está em lugar social privilegiado às pessoas de cor, ainda. O negro ora vítima ora opressor está desempenhando o papel de mantenedor do status quo da minoria branca privilegiada. Nada diferente da representação das personagens fictícias. Inclusive, podemos associar o perfil do segurança do supermercado às maltas de capoeiras que eram convocadas por conservadores para intimidar eleitores a cada votação, segundo o historiador Carlos Eugênio Líbano Soares.

O Instituto Locomotiva publicou em junho de 2020 pesquisa intitulada "As faces do racismo", a amostra de 72 cidades do País evidenciou que o atributo "Trabalhador doméstico" refletiu 8% de trabalhadores negros versus 5% dos não negros; no atributo "Trabalhador do setor privado sem carteira assinada" apontou 14% de negros contra 10% de não negros. Esse iceberg comprova a permanência da população negra no lugar de subalternização e servidão, restando a pouquíssimos a oportunidade de um lugar fora do padrão no mercado de trabalho.

Avançamos, mas a estrada é longa. Trazer uma mudança efetiva para o mercado de trabalho passa pela responsabilização com ações de inclusão, retenção e ascensão do profissional negro em diversas áreas. Além de cada indivíduo, as empresas devem assumir o compromisso de mudança em sua cultura organizacional e perceber que o padrão é que as diferenças que compõem a diversidade estejam refletidas em seu time e em lugares de liderança. E isso é pra já! 

 

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