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Cícero Robson Pereira: Futebol brasileiro e mazelas sociais
Opinião

Cícero Robson Pereira: Futebol brasileiro e mazelas sociais

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Cícero Robson Pereira, sociólogo e professor
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Cícero Robson Pereira, sociólogo e professor

No Brasil, o futebol não é apenas esporte. Parte indissociável da cultura nacional, expressa a identidade coletiva e carrega a metáfora de um País desigual, que se mostra permeável à ascensão social. Termos como "show de bola" e "embolou o meio campo" evidenciam a inserção do universo futebolístico nas relações cotidianas. Quando ainda éramos o "país do futuro", sem grande projeção internacional, o título da Copa de 1958, na Suécia, mostrou que poderíamos ser tão bons quanto qualquer europeu. Talvez por isso o gramado seja ainda hoje o principal palco em que os jovens sonham brilhar e conseguir uma vida melhor.

Como parte do nosso modo de ser, o futebol carrega as marcas de uma sociabilidade contraditória, que se manifesta no preconceito social, na desigualdade de gênero e no racismo. Os gritos de guerra das torcidas expõem, por meio da rivalidade entre os clubes, as diversas batalhas existentes em outros âmbitos. O adversário é a "carniça", o "mulambo", o time do "canal" (reforça estigmas sociais). O time vencedor é representado pela imagem do homem forte e viril; os que perdem, ganham nomes e atributos femininos, associados a uma suposta fragilidade de quem se acostumou a perder, ou apanhar (legitima a violência de gênero). É bastante comum chamar um jogador negro de capetinha, se ele for rápido e habilidoso. Se for branco, será chamado de, no máximo, "pimentinha" (dissemina o preconceito racial).

Os dirigentes dos clubes são chamados de "cartolas", inspirados nas arcaicas aristocracias. Muitos administram seus clubes de modo personalista, sem transparência, como uma extensão dos próprios interesses. Somos induzidos a torcer pelo time mais forte, que possui mais craques e mais títulos. Não questionamos os valores desproporcionais das cotas de TV, que impossibilitam um time de menor tradição de chegar ao título.

É necessário não ficar no lugar-comum de que o futebol está "chato". Trata-se de um urgente exame de consciência sobre a responsabilidade de cada um em evitar a disseminação recorrente e sutil do preconceito, que é visível, altamente contagioso e mortal. 

 

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