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Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza: Nós, os outros e o vírus
Opinião

Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza: Nós, os outros e o vírus

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Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza
Médico infectologista e epidemiologista, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (Unesp)
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza Médico infectologista e epidemiologista, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (Unesp)

"Meu natal vai ter família, beijo, abraço, e nenhum político vai me tirar isso" (Comentário de leitora em um jornal de grande circulação)

Desde o começo da pandemia, tenho dialogado com associações de comércio, líderes religiosos, entre outros grupos. Atendo na linha de frente e colaboro com políticas públicas. Exausto, admito que frases como a citada em epígrafe demonstram meu fracasso.

Como escreveu a professora Margareth Dalcolmo (Fiocruz), assusta-me que médicos e outras autoridades de saúde pública ainda propaguem curas milagrosas e engrossem fileiras anti-vacinais. Também me exaspera a insensibilidade dos Conselhos Regionais de Medicina (o do Ceará é das poucas exceções) e outros órgãos de classe. Por fim, é preocupante o teatro político na disputa das vacinas.

No livro The Greatest Benefit to Mankind, Roy Porter apresenta a íntegra do juramento de Hipócrates, mostrando que ele é mais uma declaração de fidelidade à categoria médica que uma oração ética. Isso explica muito. Com todos os avanços, a medicina ainda falha em se unir pelo bem comum. Talvez alguns de nós, médicos, prescrevamos hidroxicloroquina, nitazoxanida ou ivermectina pelo desespero da impotência frente ao vírus. Mas nada justifica o silêncio ou o negacionismo face ao morticínio.

Se os formadores de opinião se dividem, a população acreditará na narrativa que trouxer esperança e prometer reduzir o fardo do distanciamento social. Ainda que seja falsa. Ainda que se baseie no conceito pseudoético de autonomia. Esse aspecto foi discutido no livro Patient as victim and vector, de Margaret Battin, Leslie Francis, Charles Smith e Jay Jacobson. Não devemos ter autonomia para infectar outros. Protegermo-nos, e assim proteger os outros, não é um conselho - é um dever moral.

Resta esclarecer que o abraço e o beijo em família precisam sim esperar um pouco. Há vacinas no horizonte, com resultados animadores. Simulações apontam que, com uma boa campanha de vacinação, a pandemia começará a regredir no final deste semestre. Não é a perspectiva ideal, mas é a melhor notícia possível. Passemos adiante a boa nova. 

 

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