Todos ouviram, alguma vez na vida, que vivemos em um Estado de Direito. Esse modelo liberal tem origem na Alemanha, como "Rechtstaat", quase como uma alternativa à concepção de "rule of law", que ouso traduzir por regramento da lei, vigente no direito liberal inglês.
A diferença filosófica fundamental entre as duas concepções é a relação estabelecida entre as leis, os governantes e o povo.
Na concepção que aborda a pura regra do jogo, a lei é um sistema externo, um ditame do agir, embora seja, em tese, a expressão da vontade de todos e o controle jurídico dos governos.
Diferentemente disso, a noção de Estado de Direito inclui, além do controle legal da tirania, uma ideia de consonância entre as leis, os governantes e o povo, uma vez que seu enfoque não é a servidão diante da lei, mas a própria liberdade realizada na lei.
Nessa concepção, se concretiza aquilo que se convencionou chamar de instituições republicanas (democráticas), uma vez que essas instituições plasmam a vontade livre do povo e não um regramento externo a ele.
O governo, aqui, nessa ideia, serve ao povo; as instituições funcionam como um corretivo interno para o controle constitucional (norma abstrata) do próprio Estado.
Ora, essa concepção de Estado abandona o tom de rivalidade entre povo e governo, da filosofia liberal britânica. A partir dessa ideologia, nas instituições o povo é livre e se reconhece como tal.
Dito isso, devo alertar que a identificação da liberdade do povo com essas instituições é frágil. Inúmeras vezes, essas instituições, tal como são pensadas, entraram em colapso, perdendo sua função de controle normativo do Estado.
Por isso, o esfacelamento desse modelo de Estado de Direito não é difícil de se realizar. A propalada crise de representação, há alguns anos alertada, é só o primeiro passo para a destruição das instituições republicanas.
Por fim, sobra um modelo fascistóide, quando essas mesmas instituições abandonam a aparência de serem a substância da liberdade do povo e passam a agir, cruamente, para aniquilar o povo, onde quer que aviste um inimigo idealizado.
Pois bem! A primeira crise se dá, portanto, é entre povo e governantes. Essa crise gera a ascensão de figuras dantescas, como Trump e Bolsonaro. Essas figuras, uma vez no poder, instrumentalizam as instituições.
O resultado: a deslegitimação do sistema de Estado de Direito e o estabelecimento de um Estado Totalitário.
Quanto tempo mais de resiliências essas instituições podem ter?