Quando era criança, meu pai nos levou à casa de uns amigos em Barra do Corda, no Maranhão. José Luís e Elvira eram amigos de longa data dos meus pais. Donos de uma pequena fazenda de babaçu, viviam do campo, como eles diziam.
Na casa deles, foi a primeira vez que vi o ritual da quebra do coco babaçu que se transformava em óleo, sabão, forragem para animais, e a palha virava chapéu e cestas que eram vendidos na feira.
Dona Elvira, festiva, recebeu minha mãe alardeando o preparo da especialidade da região: arroz com pequi. Aliás, o próprio pequi já se anunciava.
Era um cheiro fortíssimo que tomava conta da casa e vagava pelo alpendre com firmeza.
Fiquei imaginando todas as ameaças que ouviria da minha mãe quando rejeitasse o prato típico que já conhecia e não o suportava, sem contar o tanto de histórias que ouvia de línguas atravessadas pelos espinhos do pequi.
Comer pequi não é tarefa fácil. Ele tem uns espinhos no caroço que podem causar estragos na boca. O arroz de pequi é cozido junto com a fruta da qual só se deve comer a polpa.
Por isso é que pequi roído não é apenas algo imprestável como li em vários lugares sobre a comparação feita entre a fruta e o presidente Jair Bolsonaro, que estampou o outdoor em Tocantins.
Roer pequi é algo impensável pelos danos que ele é capaz de causar. E aí é que pequi roído ganha muito mais sentido.
Os espinhos do pequi são praticamente invisíveis. Só se sente o ferrão quando, de forma distraída, se avança a fronteira da polpa.
Os minúsculos espinhos cravam na língua e nos lábios causando um ferimento muito dolorido antes e depois do espinho ser extraído.
A comparação é perfeita. Bolsonaro é o pequi. Mas nós é quem estamos às voltas com os espinhos da ignorância abissal que impera nas decisões e opiniões do presidente; os espinhos do pouco caso com a vida alheia que embota um ministério inteiro, como se todos tivessem perdido a sensibilidade e a empatia humanas de uma só vez.
Por fim, os espinhos da incerteza que se abateram sobre o País agravada pela incapacidade que Bolsonaro já provou ter de governar.
Num governo cuja orientação mental é duvidosa, Bolsonaro suspeita que há fraude no preenchimento dos formulários que atestam a morte por Covid-19 em todo o País. E o ministro da Saúde, recém-chegado, Marcelo Queiroga, anunciou que vai visitar os hospitais para conferir as mortes por Covid-19.
Enquanto isso, ficamos com as dores do pequi roído.