A reviravolta da anulação das condenações do ex-presidente Lula pode parecer um roteiro de ficção científica para leigos e iniciantes em Direito, mas é só o Brasil mesmo e suas profundas contradições, que também notabilizam o sistema de justiça. O Brasil não é para principiantes, já disseram Tom Jobim ou Darcy Ribeiro.
A novidade que causou perplexidade a muitos, mas não para nós, foi o timming do Supremo em reconhecer a saga de ilegalidades, precipitada por uma repentina decisão do Ministro Fachin, um notório lavajatista, que sacrificou a operação para tentar evitar o julgamento da suspeição do ex-juiz Moro, assim declarado pela maioria da Segunda Turma do STF.
O alerta de Darcy ou de Tom quase se comprovou e observamos o ministro Kassio Nunes, com conhecido histórico garantista, votar pela não suspeição. Resta-nos agora acompanhar os desdobramentos sem incorrer no apelo a um velho clichê: a justiça tarda mas não falha.
Sabemos que ela tarda e falha, e não propriamente por razões jurídicas, que não faltam, desde o início, para anular as condenações de Lula, as quais foram relatadas uma a uma no julgamento da Segunda Turma e pelo próprio Fachin.
Mas ao guardar a Constituição, síntese maior das decisões políticas da nação brasileira, as decisões do Supremo são também políticas, tendo a mesma natureza do seu objeto, como não poderia ser diferente.
Rousseau, em "O Contrato Social ou Princípios do Direito Político", já alertara para a natureza essencialmente política do Direito. Isso explica o timming do STF em decidir pela anulação das condenações de Lula, sete anos depois do começo de tudo.
Afinal, o clima agora é outro, mais seguro para reconhecer ilegalidades cujo reconhecimento possa favorecer Lula: um (des)governo federal já majoritariamente impopular, fracasso dos militares na direção de seus cargos no governo civil (quando não o abandonaram), incompetência de uma gestão econômica neoliberal e descrença de parte do povo em seus heróis e mitos, a partir de conversas reveladas e de uma pandemia agravada por insanidade de autoridades federais.
Não concluímos concordando com a prevalência do aspecto político do STF sobre o jurídico, apenas que precisamos compreender um pouco mais além, para aprender com a história e abandonar a crença na neutralidade do sistema de justiça.
Se ninguém pode ser o "ó do borogodó", como disse Gilmar Mendes em seu voto, nem por isso devemos entender que ninguém mais assim se comportará. Apenas chegou a vez do "cancelamento" do "Moroborogodó", outros virão. Aprenderemos?