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André Luiz Marques: Quem guarda com fome o gato vem e come
Opinião

André Luiz Marques: Quem guarda com fome o gato vem e come

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André Marques, economista (Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO André Marques, economista

Um orçamento expressa a alocação de recursos limitados. E uma boa alocação requer diálogo e não pegadinhas. O orçamento da União é dividido em gastos obrigatórios e discricionários.

Os obrigatórios são definidos pelas regras constitucionais e não podem ser alteradas por decisões dos governantes. Elas representam 95% das despesas e estão "carimbadas" em salários, educação, saúde.

Os 5% restantes são os gastos discricionários, ou seja, que dependem de escolhas: onde investir e como gastar no dia-a-dia. E também quanto alocar em emendas parlamentares.

Mesmo antes da pandemia, o governo federal já enfrentava dificuldades com seu orçamento. Gastava mais do que arrecadava e contraia dívidas, assim como muitas famílias.

Para romper esse ciclo em 2016 foi aprovada a PEC do Teto. Ela estipula um valor máximo para os gastos e impossibilita o crescimento indiscriminado das despesas dos três poderes. Parece uma fórmula simples, mas nada que a criatividade não tente burlar.

O orçamento deveria ter sido votado até o final de 2020, mas o foi apenas no fim de março deste ano.

A demora foi tanta que, mesmo que fosse aprovado como enviado pelo Executivo, já estaria defasado (o salário mínimo e a Selic já estão mais altos que o previsto) e demandaria uma rediscussão. Mas como se isso não bastasse, o orçamento aprovado veio com uma pegadinha: a retirada de quase R$ 30 bilhões de despesas obrigatórias para aumentar um tipo de emenda parlamentar que também não pode ser cortada.

Não existe aqui um questionamento da importância dessas "sugestões" emendadas, contudo não podem ser um fingimento.

Tanto tempo para "discutir" o orçamento que quando finalmente foi aprovado os gatos já tinham comido parte dele.

Hoje não é possível cumprir o orçamento sem descumprir o teto e cometer crime de responsabilidade.

Para resolver, o Congresso precisará votar um novo Projeto de Lei que ajuste o orçamento e que desate o nó que ele mesmo enlaçou. Mas é preciso ir além: esse mesmo Congresso precisa liderar uma discussão estrutural sobre o engessamento do orçamento.

Ser propositivo ao invés de tentar testar os limites da legalidade.

A falta de diálogo entre executivo e legislativo já tem custado muitas vidas na pandemia. Outras serão perdidas sem um orçamento estruturado e com o foco na atenção à população e não nos anseios individuais. 

 

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