No momento em que escrevo este pequeno artigo, o Brasil alcança a tenebrosa marca de mais de 16 milhões e setecentos mil infectados e caminha para quase 500 mil mortos pelo Covid-19, parcela importante dos quais se pode debitar à conta da resistência do Palácio do Planalto a reconhecer as prescrições da ciência.
Nosso país tem se credenciado, para desonra nacional, como referência de como não enfrentar a crise Hélio Leitão sanitária.
O presidente em pessoa promove aglomerações, faz chacota do distanciamento social, do uso de máscaras e da imunização por vacinas.
Insiste na tal imunidade de rebanho. Esforça-se por manter aceso na opinião pública o debate sobre medicamentos sem eficácia, apregoando um inexistente tratamento precoce.
Desde o início da pandemia, quatro foram os ministros da saúde, um dos quais nada sabe sobre saúde pública, e cujo mérito único parece ser a provada submissão canina ao chefe. Deu no que deu.
Em meio a este circo de horrores, força é reconhecer que os poderes judiciário e legislativo têm feito valer, nesta quadra tão penosa da vida nacional, a voz da razão e da sensatez, atuando como garantes mesmos da nossa ainda frágil democracia, operando como autêntico dique de contenção das pretensões autoritárias do ex-capitão.
Não houvesse o Supremo Tribunal Federal reconhecido aos estados e municípios as prerrogativas de encetar medidas necessárias ao combate à pandemia, amargas e de alto custo político-eleitoral conquanto efetivas, estaríamos todos certamente diante de quadro sanitário ainda mais aterrador.
Importa destacar que a despeito do discurso verbalizado pelo próprio presidente e por alguns de seus bonecos de ventríloquo, a Suprema Corte em nada avançou sobre as prerrogativas do poder executivo, tampouco aliviou suas responsabilidades.
Apenas e tão somente assegurou que governadores e prefeitos pudessem intervir.
Não percamos de vista, ainda, que o enfrentamento de uma crise sanitária de proporções mundiais, em razão da própria natureza das medidas necessárias à sua superação, concorre invariavelmente para a criação de ambiente propício à formação de um caldo de cultura em que não raro são despertadas as vocações autocráticas.
A relativização de direitos que a pandemia faz inevitável há de ter, pois, a medida e a duração do necessário.
Não placitemos com flertes com o autoritarismo, como se deu quando o presidente teve o desplante de cogitar, com a maior sem-cerimônia, da decretação do excepcionalíssimo estado de sítio, o que contou com a pronta reprovação dos demais poderes da república e da consciência cívica da nação.
Como certa vez disse o espirituoso premiê Winston Churchil, o estadista da segunda Grande Guerra, figura icônica da vida política do Reino Unido, no seu costumeiro tom de blague, "a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras."