O relatório da pandemia já existe. Em suas páginas finais, junto às assinaturas dos senadores, estará algo como "o governo federal é responsável pela tragédia brasileira".
O fato de não estar totalmente escrito não importa, já se tem um relatório. No jargão acadêmico, está indo para o prelo, só faltam as últimas alterações.
Comissões como a do Senado não são novidades. Tivemos várias, em diversos governos. A diferença está na conjugação entre o conteúdo produzido e o grau de controle do poder executivo sobre os rumos delas. Governos que detêm o controle conseguem sair com arranhões, mas sem consequências graves.
No entanto, os que não têm ou perdem o controle de sua base legislativa, tendem a sofrer as consequências das investigações. Em relação à CPI da Covid, Bolsonaro está levando desvantagem.
Um documento do Senado Federal mostra uma das razões. Trata-se do "CPI Guia de Referência Rápida das Comissões no Senado Federal e no Congresso Nacional 1974 a 2005", que enumera as etapas de implantação de uma CPI.
A data de criação, a indicação dos membros por partidos, a composição das comissões, a eleição das mesas diretoras e a escolha do relator são elementos que indicam a correlação de forças entre oposição e governo, assim como quem detém a narrativa e o controle da CPI.
Na atual, a oposição formou maioria, garantiu um relator com experiência e ressentido com Bolsonaro, um vice-presidente combativo e persistente, e um presidente em cujo estado pacientes morreram por falta de oxigênio e que foi pessoalmente acometido pela perda de um irmão para a Covid-19.
Não fosse tudo isso suficiente para dar vantagem à oposição, a denúncia dos irmãos Miranda foi demolidora. Se comprovada, enterra, com o caso do ministro Salles, a já batida narrativa de que o governo não tem casos de corrupção.
O mais irônico é que o personagem principal da denúncia, além do presidente, é o líder do governo na câmara, Ricardo Barros, do PP.
Justamente o partido do qual Bolsonaro foi filiado entre 2005 a 2016 e um dos partidos mais investigados na Lava Jato, operação da qual Bolsonaro se valeu para vender a tese de candidato da antipolítica.
Mas isso tudo é passado. A esta altura, a dúvida não é mais se CPI dará em alguma coisa, pois já deu. O difícil é saber se o desgaste que o governo sofre, com a consequente elevação da pressão nas ruas, serão suficientes para que a gaveta do presidente da câmara se abra.