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André Haguette: A ambivalência de Cuba
Opinião

André Haguette: A ambivalência de Cuba

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Denunciar e condenar o regime autoritário de Cuba não explica a sua complexidade e ambivalência e, menos ainda, seu significado para a América Latina e o Brasil.

A história de Cuba desde 1959 não se reduz a uma ditadura, ela é sobretudo uma história de superação e de enormes benefícios sociais para um povo carente.

Sei que muita gente se preocupa com a liberdade e pouca, com a igualdade social. Não é meu caso. Recuso-me a separar liberdade e igualdade.

Liberdade é egoísmo, como bem viu Adam Smith, para quem os vícios humanos, como o interesse em si mesmo e a ganância, levariam a incrementar a felicidade coletiva. Hoje sabemos que essa "mão invisível" cria riqueza, mas não provoca igualdade. Por sua vez, a igualdade é altruísmo e favorece a fraternidade.

Posso então escrever que uma democracia que entrega liberdade, mas nega a igualdade é odiosa, um remendo de democracia, bem como, por outro lado, um regime autoritário que entrega igualdade, mas nega a liberdade, mal produz riqueza a distribuir; se a política de partido único é odiosa, também o é uma democracia liberal com uma extrema concentração de renda, privando a maioria de todas as formas de liberdade já que pobreza não rima com liberdade. Alexis de Tocqueville sentenciou que a democracia deve resultar em igualdade de condição.

A história de Cuba desde 1959 é uma história de constante superação. A revolução cubana, apoiada pelo povo, libertou o país de uma ditadura opressiva a serviço dos Estados Unidos que colonizavam a ilha e mantinham sua população na miséria, no analfabetismo, na violência e na servidão

Em pouco tempo, o governo revolucionário provou ao mundo e especialmente à América Latina e ao Brasil que um país, mesmo arqui-pobre, sem recursos naturais, sem petróleo, tendo somente açúcar como barganha, podia alimentar sua população, chegar a uma das mais baixas taxas mundiais de mortalidade infantil, a um grau de alfabetização e de educação entre os mais altos do mundo, a uma esperança de vida similar à de seu rico algoz, os Estados Unidos, e dotar-se de um sistema de saúde considerado modelo pela OMS.

Essas conquistas sociais acenderam uma imensa esperança em toda a América latina que sucumbia e, passados 60 anos, continua sucumbindo à miséria, à fome, ao analfabetismo, ao desemprego, à violência, a milícias e facções, à desigualdade crescente e à ditadura do capital.

Por essas conquistas, Cuba pagou e paga caro. Externamente, pelo rancor dos governos americanos que com crueldade continuam asfixiando a Ilha, aplicando-lhe sanções e embargos de tempos de guerra que ameaçam sua sobrevivência econômica. Internamente, pela perda de direitos civis e políticos num sistema autoritário que, desde 2011, procura diversificar sua economia e suas leis.

Como tecer os fios de uma sociedade civil num país sob constantes espoliações externas? Cuba se encontra numa encruzilhada: render-se ao poderio americano e tornar-se mais um país latino pobre, violento e desigual ou, conseguindo escapar (mas como?) das garras americanas e ganhar o direito à autodeterminação, evoluir para um socialismo social-democrático, coroamento de sua épica história.

 

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André Haguette

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