"Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre." É quase impossível alguém nunca ter ouvido esse trecho da personagem Chicó, de O auto da Compadecida (1955), obra do paraibano Ariano Suassuna. Ela é inexplicável; por vezes, dolorida e precoce demais; assombrosa; considerada a "Indesejada das gentes", segundo Bandeira. Assim é a dona Morte.
Não adianta saber que ela um dia nos visitará, a brutalidade da separação física causada é inenarrável. Não nos basta os avisos para vivermos bem o momento presente: "ame hoje!", "viva o agora!"; por mais que o façamos, sempre parecerá que não demonstramos ao máximo nosso afeto quando alguém que queremos bem vai embora para o Eterno. "A vida é uma viagem", mas não estamos prontos para o desfecho dessa metáfora. Não somos ensinados a decodificar despedidas. Somos apaixonados demais pela presença do outro. Talvez, tenha sido por conta dessa paixão imensa pelo toque que essa pandemia quase nos pôs loucamente adoecidos.
Não aprendemos a dizer adeus. Somem palavras adequadas, deve ser porque não há certezas na hora H. O que existe é a lágrima quente banhando a face, dentes cerrados, o chão faltando diante de nossos pés e aquela sensação (quase que indecente!) de impotência. Corre o tempo, contudo, e ressignificamos a dor. Vai abrindo no peito um espaço para a saudade: dos cheiros, dos risos, dos abraços, e as reminiscências que guardamos do ser ausente vão sendo eternizadas em nós. Tem sido assim, desde que o mundo é mundo. Ela, a Morte, vem, por séculos e séculos sendo esse mistério insondável, tão incompreensível quanto a própria Vida.