Muito se fala das qualidades de educador do meu pai, professor Ari de Sá Cavalcante, e pouco se fala das qualidades de educadora da minha mãe, professora Hildete de Sá Cavalcante.

Para ilustrar essas qualidades, em vez de descrevê-las, vou contar uma história que o Sobral, dono de uma alentada banca de revistas da Praça do Carmo, contou-me, muitos anos depois da ocorrência.

Sobral era aluno do tradicional Colégio Farias Brito, que se localizava na Praça do Carmo, hoje sede do Colégio Ari de Sá Cavalcante. O colégio, na época, tinha janelas elevadas nas salas de aula, voltadas para a praça. Todos os dias, Sobral pulava a janela, na hora do recreio, e verificava como estava a situação de sua banca. A mamãe soube dessa fuga e chamou o aluno para conversar, indagando-lhe o porquê daquela saída com retorno rápido. Sobral disse-me que contou para a mamãe ser proprietário de uma banca de revistas na praça e que aproveitava o recreio para trabalhar um pouco. A mamãe não tomou nenhuma medida punitiva e disse para o aluno trabalhador: "Todos os dias, você vai continuar indo trabalhar na sua banca na hora do recreio, mas vai sair e voltar pela porta principal do colégio, devidamente autorizado".

Essa história retrata muito bem o bom senso e as qualidades de educadora da professora Hildete, porque demonstra como ela soube discernir, na situação, aquilo que mais condizia com o valor educativo: o respeito à dignidade da pessoa. Acredito que essas características sejam, também, fruto de sua grande história de superação. Perdeu o pai ainda recém-nascida e ficou órfã da mãe com 10 anos de idade. Foi criada pelos avós e viveu um grande amor com o papai, que nos deixou aos 49 anos, a mesma idade dela. Até o falecimento dele, convivi 21 anos com o casal e nunca presenciei uma discussão, por menor que fosse, dos dois. Quando um se exaltava um pouco, o outro ficava absolutamente calmo.

As memórias de vida desse casal são um de seus maiores legados. Poderia contar muitas outras experiências, mas hoje fico por aqui. n