Começamos um ano novo, inteiramente novo, novinho em folha. Oba! Ano novo é como carro novo: a gente dirige com todo cuidado, meio se exibindo, na esperança de nunca precisar usar o seguro. É como chegar cansado e encontrar a cama arrumada, com lençóis lavados, cheirosos e macios.
Na beira-mar, o mundo todo está de férias, até a água de coco parece mais refrescante. Quem está trabalhando, pelo menos não tem pressa. Temos o ano inteiro pela frente.
Podemos fazer planos, promessas, estabelecer metas, rabiscar, esboçar, desenhar, riscar, refazer, encher toda a folhinha com nossas esperanças e medos.
Esse ano é ano eleitoral. Melhor ainda! Podemos mudar o país, discutir, argumentar em volta dos mesmos velhos problemas, mas argumentar de novo, como se nunca tivéssemos argumentado antes, como se os problemas fossem novos, podemos fazer inimigos novos, por motivos novos, provar que sempre estivemos certos. Há quem se delicie com isso. Nada melhor que provar que sempre teve razão.
O que me deixa desanimado é que, à exceção do ano, está tudo muito velho. Por mais que me esforce, não estou conseguindo dar uma roupa nova a tantas coisas velhas. Isso é, em si mesmo, um sintoma da velhice - e olhe que me considero tão jovem como o ano em janeiro - o que só me deixa mais desanimado.
Até os candidatos à Presidência da República são os mesmos. Difícil. O que nos resta? Tocar um tango argentino, com Manuel Bandeira?
Só agora me dou conta de que Penumotórax é um poema político, publicado em 1930, no livro Libertinagem, para o Brasil de noventa e dois anos depois. Será? A poesia e seus mistérios. Libertinagem, o título desse livro ainda diz muito ao Brasil conservador, intolerante e hipócrita do bolsonarismo.
Ouvir um tango argentino é bom, sobretudo se for Libertango, do Astor Piazzolla. Para além da fina ironia poética de Bandeira, contudo, podemos dançar. Nagibe Melo Porque só sendo livres podemos dançar, é a própria liberdade quem ensina. Temos motivos: superamos uma ameaça de golpe.
Ano passado morremos um pouco, outro tanto morreremos este ano, mas escutem o tango! Viva! Podemos dançar!