Mais um episódio de impacto na opinião pública nos levou a debater o tema dos limites da liberdade de expressão. Em participação no podcast Flow, o comentarista Monark, ladeado pelo deputado Kim Kataguiri, defendeu a legalização do partido nazista no Brasil e de manifestações públicas em seu favor.
O argumento é rasteiro: por força da liberdade de se dizer o que pensa, haveria um "direito a ser idiota", isto é, o direito de defender publicamente o que viola o senso do "politicamente correto". O deputado, concordando com Monark, sofismou: se o comunismo pode ser defendido como ideologia no sistema político brasileiro, por que não permitir a difusão das ideias de uma direita radical?
Já escrevi por aqui que não há direito sem um limite que o acompanhe, pois qualquer exercício absoluto de uma pretensão pode facilmente se reverter em abuso. É por esse motivo que, em uma democracia, o discurso de ódio não encontra amparo: tem-se liberdade para dizer, a não ser nos casos em que o dito viola o direito à vida, à dignidade, à segurança do outro.
Essa ideia, bastante fácil de assimilar, ressalta o aspecto de que a base de uma democracia é o princípio da reciprocidade: por maiores que sejam as nossas diferenças, nos reconhecemos como iguais em dignidade e compartilhamos um consenso público quanto aos limites mínimos de civilidade.
Dito de outro modo: uma ideologia amparada na defesa da superioridade racial e comprometida com o aparelhamento do poder público para eliminação de todos os diferentes não é democraticamente defensável.
O nazismo pressupõe a negação do direito à vida a grupos sociais considerados indesejados e foi responsável por uma arquitetura institucional-burocrática extremamente organizada que dizimou, por vias oficiais, populações inteiras. É pelo seu potencial mortífero e desumano que a defesa do nazismo é crime não só no Brasil, como em boa parte do globo.
O sofisma do deputado deixou muita gente com uma pulga atrás da orelha: mas e o comunismo? Não deveria ser criminalizado também? Aqui precisamos ter o cuidado de diferenciar as ideologias das experiências políticas concretas em que um dado esquema ideológico foi invocado como suposta inspiração. Uma confusão comum em matéria de comunismo. Ele não se confunde com stalinismo, por exemplo, ainda que o regime soviético se afirme comunista.
Como ideologia, o comunismo propõe uma crítica ao sistema capitalista e almeja um modelo de organização econômica em que não haja a propriedade privada dos meios de produção ou da força de trabalho. O stalinismo, em contrapartida, foi experiência totalitária. Organização estatal sustentada por um partido único que massacrou, perseguiu e torturou. Foi, como ideia e como ato, brutal e, por isso, assim como o nazismo, não encontra espaço em nossa democracia.
Quando avaliamos o comunismo para além da sombra stalinista, vemos que há nele uma infinidade de críticas, ideias e princípios que podem ser debatidos publicamente sem que isso implique a erosão da democracia. Ele está no campo do discutível, ainda que não se concorde com ele. Discordar sem o desejo de eliminar: eis a virtude democrática fundamental. n