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Hilário Ferreira´: O Ceará aboliu a escravidão?
Opinião

Hilário Ferreira´: O Ceará aboliu a escravidão?

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Compartilho algumas reflexões sobre o dia 25 de março, no sentido de problematizar a narrativa que defende que o Ceará "libertou" os seus escravizados 4 anos antes da "abolição" em todo território nacional. Houve realmente abolição?

Como os ex-escravizados viveram e foram tratados nos anos pós abolição? Penso que ao fazermos estas perguntas e buscarmos respondê-las, aquele discurso cheio de orgulho desmedido que alguns trazem sobre o Estado do Ceará ter sido pioneiro na libertação dos escravizados se tornará desconfortável. Vejamos.

Em 24 de maio de 1884, o chefe de polícia da província do Ceará, elaborou um relatório intitulado, "Occurrencias sobre escravos". Esse documento traz um relato resumido dos efeitos dos dias posteriores ao 25 de março.

Segundo o exposto, havia um descontentamento dos brancos que reclamavam que os ex-escravizados, a partir da abolição, não queriam mais trabalhar. O relatório é bem claro quanto às reclamações da ausência de negros(as) em atividades domésticas e na lavoura. Informação importante, por questionar o discurso corrente de que a escravidão no Ceará fora insignificante.

Outro clamor seria o fato de que estes, "homens de bem", estavam sendo agredidos e forçados a se livrarem de seus cativos. Percebe-se na leitura deste relatório que o Ceará realmente se tornou a terra da luz para os negros e negras escravizados. A abolição os levou a acreditar que o Ceará era a terra da liberdade. Ledo engano!! Aqueles que fugiram para estas terras com essa ilusão, eram caçados e devolvidos para seus respectivos donos.

Um fato que ilustra bem o que foi dito anteriormente, está entre uma das ações do movimento dos jangadeiros ocorrido no final de janeiro de 1888. No último dia, os negros jangadeiros e os abolicionistas, foram ao navio e retiraram de dentro deste, que ia para o Rio de janeiro, uma família que foi vendida no comércio interprovincial. Essa família viveu em Fortaleza até 1884. Logo após a dita abolição, 3 anos depois de serem retiradas do navio, essa família foi presa e devolvida pelas autoridades ao seu dono no Maranhão.

É preciso que lembremos que no 25 de março, assim como no 13 de maio, não houve uma preocupação por parte dos abolicionistas e autoridades em garantir aos ex-escravizados, políticas públicas que assegurassem o acesso destes a direitos básicos como emprego e moradia. Na verdade, quebraram as correntes e os condenaram à própria sorte.

Portanto, diante do exposto fica o questionamento: o que comemorar? Um rápido caminhar pelos anos que marcaram o pós-abolição no Ceará responde bem essa e outras questões. Não houve uma preocupação das autoridades do Estado, durante todas as décadas do pós-abolição com esta população.

Deste modo, a condição de vida do negro veterano da guerra do Paraguay José Martins da Silva, de 103 anos, vagando por Icó em 1930, pobre e tendo que sobreviver de esmolas não é diferente das notícias que encontramos nos jornais em 08 de maio de 2015: o Ceará se tornara o 4º Estado mais perigoso para negros. Que abolição foi essa? n

 

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Hilário Ferreira

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