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Katarina Brazil: O caso Dalvo Neto, o cinismo e o corporativismo
Opinião

Katarina Brazil: O caso Dalvo Neto, o cinismo e o corporativismo

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Na Grécia Antiga, os filósofos cínicos contestavam as convenções e viviam nas ruas. Contudo, na Idade Moderna, o termo cinismo já tinha significado atual de desfaçatez. Por sua vez, o vocábulo corporativismo remete à união entre pares, como sindicatos e demais organizações classistas. Voltaremos, ao longo do texto, ao cinismo e ao corporativismo.

No Fantástico, em 10 de abril, várias mulheres denunciaram o cirurgião plástico Dr. Dalvo Neto por ter-lhes deixado com mutilações e deformações permanentes. Ademais, o médico parecia não se importar com o pós-operatório. A um relato de necrose no mamilo, ele respondeu: "Isto é coisa do seu organismo, é uma besteira". Dalvo justifica esse tipo de fala: "Não posso dizer está tudo dando de maneira inadequada, para que ela, de alguma forma, aja psicologicamente contra ela". Cinismo em estado de diamante.

Já o corporativismo desfila explícito e emplumado na nota que a Regional Ceará da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP-CE) emitiu para defender Dalvo Neto. Ali se exalta a formação de seus membros, refirma-se o preparo do "colega", citam-se valores éticos.

No documento, afirma-se que a cirurgia plástica constitui uma especialidade de meio. Trata-se de ignorância ou de má-fé, pois, desde os anos 1990, o STJ criou jurisprudência distinguindo a cirurgia plástica reparadora (de meio) da estética (de resultado). Voltamos ao cinismo: fingir que não se sabe aquilo que é sabido tendo como intuito a desfaçatez.

Portanto, é preciso apontar o erro jurídico inserido na nota da SBCP-CE, quando afirma que a cirurgia plástica estética é de meio, pois a reprodução desse entendimento equivocado da lei é perigosíssima, sobretudo para as mulheres, que constituem a maior parte dos pacientes que se submete a esse tipo de procedimento.

É preciso, ainda, conscientizar toda a sociedade de que o cirurgião plástico não é uma espécie de 007 de jaleco, com "licença para matar e lesionar corpos". Inclusive, é preciso, de forma geral, combater a "mistificação da bata branca", que já provou ser capaz de esconder abusadores e criminosos, como Roger Abdelmassih e Renato Kalil e tantos outros.

Repudiemos todas nós a nota corporativa e cínica da SBCP-CE - que, só para constar, não usa nenhuma vez as palavras "paciente(s)" ou "mulher(es)". n

 

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Katarina Brazil

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