A preferência pelo título se justifica porque a sanfona é tão familiar ao nordestino como o açude. Em outras oportunidades, comparei o açude com um copo fundo, que guarda a água que chove em uma bacia rasa. Isto porque a evaporação não é proporcional ao volume do recipiente, mas à superfície da boca do copo, e aí nasceu a primeira síntese hidrológica criada pelo gênio inventivo dos árabes.
Foi-se o tempo que o açude sangrava no Nordeste. Se muito sangra, é por falta de gestão ou pouco uso. Por outro lado, a água nele reservada deve fluir pela galeria ou comporta de fundo, e quase nada pelo sangradouro. Assim como a sanfona só toca se encher e secar o fole, o açude tem o papel de devolver à sociedade a água que a natureza lhe fornece, oriunda da contribuição de seus mananciais. Até porque a saúde do corpo d'água, a exemplo do corpo humano, reside no bom funcionamento dos rins. Portanto, para expelir da água os sedimentos que a turvam, os sais que a comprometem, e a matéria orgânica que sufocam o seu oxigênio, o açude tem que urinar pela galeria de fundo.
Este é o papel do Castanhão: flutuar a cada inverno ou seca, porém, garantindo o abastecimento das cidades e a irrigação dos solos de tabuleiros e várzeas. Depois dele, não houve mais racionamento em Fortaleza, a única capital semiárida do país, ao contrário do que acontece em zonas úmidas como Recife, Curitiba, São Paulo, etc.
Contudo, é importante considerar que o Castanhão foi dimensionado para um volume de aproximadamente 4,3 bilhões, isto na cota 100 m do sangradouro. O volume de espera reservado pelas comportas, acima da cota 100 m, em torno de 2,3 bilhões, visa controlar uma enchente extrema na bacia, como aconteceu em 1974, 1985 e 1989, quando foram desabrigadas 310, 206 e 109 milhares de famílias, respectivamente, no Baixo Jaguaribe, e destruiu toda a produção ribeirinha do baixo vale. Um prejuízo muito maior do que uma seca.
Assim posto, causa incompreensão ao público do Ceará e do resto do país, apresentar o percentual da capacidade do Castanhão, referenciado à inclusão do volume de espera da enchente. Pelo critério aqui exposto, o açude, nas condições atuais, já se aproxima de 30%, isto em nome da boa informação.
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