O cineasta Geraldo Sarno é um homem do sertão que em cidades grandes cresceu e depois vagou pelo mundo (viramundo), reinterpretando a vida e decifrando os seus enigmas. Pois este sertão que lhe pertencia não estava completo sem os espinhos de muitos porquês. Sua obra cinematográfica tem assim a marca do sertão profundo e da sua busca de, compreendendo o sertão, compreender também a si mesmo, bem como o pertencimento a um povo e a uma nação. Uma atitude existencial, política e mística... Pois, no fundo, todo sertanejo é místico; mesmo aquele que nega Deus O nega pela impossibilidade de suportar a intensa luz da Sua presença em uma terra onde a luz é demasiada.
Durante muito tempo, como um Ulisses vagando pelo mundo, Geraldo Sarno viveu longe do sertão. De repente, o sertão o chama de volta, assim como chamou muitos outros, para que, nessa volta, ele novamente reencontrasse a magia da criança que, um dia, teve que partir e tudo que fez na vida foi reinventar, em suas mil e uma formas, o universo mágico que viveu, mesmo quando a racionalidade exigia que tudo fosse nomeado, classificado, agrupado em categorias e enxergado por meio de ideologias. Em Geraldo Sarno se equilibram o cientista social e o poeta-audiovisual inspirado, o pensador e o artesão-cineasta precioso que trabalha na oficina do imaginário com a sensibilidade e a reinvenção da linguagem.
Gustav Jung fala que o homem só se completa quando termina o seu processo de individuação - que significa realizar no mundo aquilo que ele foi destinado a realizar, enquanto herança coletiva e enquanto escolha pessoal. O sertão, muitas vezes, chama os seus filhos para que eles cumpram a sua sina e cheguem à completude cósmica da morte, depois de seguir todos os passos do herói que vaga pelo mundo e devolve à sua comunidade o Elixir da Vida.
Geraldo Sarno voltou para o sertão, realizou uma obra-prima aclamada: o filme "Sertânia" (produzido por Bárbara Cariry), sobre esse mesmo sertão. Depois, reconhecendo a natureza da transitoriedade humana, abraçou a eternidade (22/02/2022). Agora, descansa entre deuses e orixás, na curvatura infinita do universo, no espaço-tempo do sertão-mundo.