Palavras são navalhas, já dizia o velho bardo sobralense Antônio Carlos Belchior e continuava ele dizendo que: "eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém."
Palavras vão e vêm como ondas, paradigma foi uma palavra que rondou os anos noventa tal qual o espectro do comunismo rondava a Europa no século XIX.
Agora, no século XXI, uma enxurrada de palavras foi gerada pelos movimentos feminista e de gênero.
Na política, uma palavra vem fazendo sucesso, embora tenha muito pouco ou quase nada a ver com o fazer político. Na sociedade civil, a tal palavra tem um significado que beira ao religioso, estou falando da palavra gratidão, essa gigantesca fábrica de escravos. Todo grato é um escravo, todo aquele que recebeu um favor ou uma ajuda se torna um eterno devedor. A gratidão, como tudo mais na vida, dependendo da dose, pode ser remédio ou pode ser veneno.
Na política, já dizia Antônio Lavareda, não existe gratidão, existe investimento. E como digo eu e a grande maioria está cansada de saber que todo investimento traz em si um risco, seja ele pequeno, médio ou grande.
Por isso, quando o nome do jogo é poder, espere tudo, menos gratidão, porque as mudanças acontecem de fato quando a submissão supera a gratidão e se transforma em uma força política capaz de gerar um novo núcleo de poder. No meio de tudo isso, existem os cordeiros de deus, aqueles que se acham capazes de tirar o pecado do mundo, mas não chegam a ser almas boas. Na verdade, são almas sebosas com interesses específicos de manter um benefício, um emprego, um cargo.
Em síntese, são os militantes da moral, os porta-estandartes da gratidão.
Eu posso estar do seu lado e você não estar do meu, aí o vice-versa.
Recuperando-me de covid e de uma sinusite, devo ser grato à Ciência e à minha pneumologista. Sim, a gratidão, assim como a vida, é bela, mas a vida, assim como a gratidão, pode causar danos. Então, o melhor mesmo é deitar-se numa rede Pana, ligar o som e ouvir, enquanto a tarde cai, não Jobim, nem Chet Baker ou Bola de Nieve, mas a voz rouca e quase tosca de João Gomes, a quem sou grato mesmo sem ele saber.
Aliás, como diria Campelo Costa: "jamais saberás." n