Ao menos desde o início dos anos 1990, com o fim da Guerra Fria e a consolidação dos Estados Unidos como potência hegemônica, a política externa americana em relação à China tem sido pautada pelo mesmo hábito que lançou os EUA em guerras como a do Iraque: um cruzadismo cujo propósito é expandir, em todo o mundo, o par livre mercado-democracia, que compreenderia valores universais e superiores. Logo, não surpreende que a ascensão da China, com seu autoproclamado socialismo de mercado, se tornasse motivo de preocupação para os americanos.
Desde um primeiro momento, a estratégia que os EUA adotaram para lidar com o avanço do gigante asiático foi tentar incorporá-lo ao regime liberal do pós-Segunda Guerra — por exemplo, com a entrada dos chineses na OMC, em 2001. O que os americanos supunham, corretamente, é que ao inserir os chineses em um regime internacional cujas regras foram estabelecidas, em grande medida, pelos EUA, manteriam uma posição privilegiada para determinar os termos dentro dos quais a China poderia continuar a progredir.
Contudo, aqui sempre esteve implícita a hipótese de que, para que continuasse a se desenvolver, a China teria de se abrir ao capital privado e, eventualmente, tornar-se uma democracia liberal. Vinte anos depois, a China é a 2ª maior economia do planeta, maior potência militar da Ásia, e o poder está altamente concentrado em Xi Jinping.
O cruzadismo impede a interpretação da política internacional em bases mais pragmáticas. Por exemplo: da parte da China, sabe-se que o Partido Comunista, após a impopular política de Covid zero e diante de perspectivas de crescimento mais modestas, entende que demonstrações de fraqueza na arena internacional podem afetar a estabilidade interna. Assim, é mais que esperada uma postura agressiva no seu entorno estratégico, especialmente no Estreito de Taiwan.
Deveria estar claro que gestos como a visita de Nancy Pelosi a Taiwan provocam o governo chinês a adotar uma postura hostil e não trazem benefício a ninguém - nem a Taiwan. Ao contrário, se atendo a uma ótica estritamente do poder, percebe-se que o jogo é de paciência: aos EUA, cabe desestabilizar o regime chinês - em silêncio; à China, acelerar o processo de assimilação econômica e cultural de Taiwan. O que não cabe são apostas de fé e risco.