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André Haguette: As rachaduras do país
Opinião

André Haguette: As rachaduras do país

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Em 1967, um sociólogo francês publicava um livro intitulado "Os Dois Brasis". Edmar Bacha, economista brasileiro, escreveu, em 2012, o livro "Belíndia 2.0. Fábulas e ensaios sobre o país dos contrastas", caracterizando o Brasil como sendo em parte Bélgica (rica), em parte Índia (pobre). O primeiro turno da atual eleição estampou em vermelho e azul essa rachadura fundante do país. O Norte e o Nordeste de colorido vermelho, por elegerem Lula, e as regiões restantes, de cor azul, por votarem em Bolsonaro. Essa rachadura regional remete a outra rachadura mais profunda, que, essa, se insinua em todos os estados e municípios do país, a rachadura da renda. Os eleitores com renda até dois salários mínimos (SM) escolhem Lula, enquanto os de maior renda apoiam a atual presidente.

Isto é, o tempo passa, mas a estrutura do país continua intocada; o país não se corrige, não se altera, não se desenvolve, simplesmente continua o mesmo, injusto. A parte Bélgica, a elite branca, acima de 10 S.M. e de maior escolaridade, desdém a parte Índia e não pretende modificar nada, decidida em deixar as coisas como são, num conservadorismo anacrônico. Ela é incapaz de ouvir o grito ferido dos excluídos da ordem capitalista e de acudi-los. Em vez de adotar políticas econômicas e sociais que os incluam, a elite se isola em sistemas próprios de saúde, educação, habitação, transporte, segurança, saneamento, tributação, armamento etc. e, nessa eleição, vota em um presidente dominado pelo Centrão, insensível à massa dos trabalhadores ou aos excluídos.

A rachadura da renda se desdobra em uma terceira fenda, a que opõe atitudes progressistas a atitudes conservadoras. Um Brasil, o dos pobres, deseja mudanças, enquanto o Brasil das rendas mais altas quer a continuidade de um governo de extrema-direita que nada fez para reverter, mesmo que gradualmente, a situação de desigualdade, incluindo as classes de menor renda na ordem capitalista produtiva. Ao longo dos quatro últimos anos, nada foi feito em termos estruturais nos campos trabalhistas, tributários, educacionais ou da saúde (SUS) para reorganizar a sociedade aproximando o lado "indiano" do lado "belga".

A nossa sociedade nasceu e permanece apartada, fraturada, e assim se mantém; sua transformação exigiria medidas fortes ou mesmo radicais, que o conservadorismo de uma extrema-direita não deseja e nem planeja, quanto menos executa. Enquanto a parte sul do país - aquela que de fato experimenta um certo bem-estar e detém tanto o poder econômico quanto o político - revela sua índole conservadora e vota pela manutenção de um cruel status quo, a parte norte vota num candidatado que propõe e promete medidas capazes de provocar seu progresso.

Votar no candidato Bolsonaro significa manter o desenho originário de nossa sociedade e afastar-se das modernas democracias ocidentais que souberam construir um estado de bem-estar social indutor tanto de riqueza para todos, como de uma boa dose de equidade social. Com Bolsonaro na presidência, continuaremos divididos, fraturados, rachados ao meio e incapazes de um crescimento econômico distributivo, contínuo e sustentável.

 

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André Haguette

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