Semana passada estava conversando com uma jornalista sobre a carta de Lula aos evangélicos. Concordamos que o texto ensaia conexões discursivas e procura demonstrar empatia. No final, afirmei que, a despeito dessa louvável e inteligente iniciativa, a esquerda sempre tratou os evangélicos como ignorantes manipuláveis.
No entanto, tal interpretação de parte da esquerda seria uma contradição, pois é exatamente entre os mais pobres, negros e mulheres que encontramos esses movimentos. No entanto, percebeu-se que não é possível fazer política no país sem essa grande parcela dos brasileiros. E para construir pontes e ser ouvida pelos evangélicos, a esquerda deve considerar duas coisas: despir-se do elitismo e regular a linguagem.
A elite intelectual brasileira afastou-se da realidade prática da maioria do povo. Temas como identidade de gênero desenvolvidos em espaços sofisticados das universidades são totalmente estranhos às pessoas comuns, cuja forma de funcionamento social se estabelece a partir de perspectivas mais conservadoras, estabelecidas historicamente pelo moralismo católico e fortalecidas com novos tons evangélicos.
Por isso, o distanciamento elitista fez com que a esquerda, no máximo, conseguisse conversar com as alas evangélicas mais progressistas, que representam pequena, mesmo que importante, parcela dessa imensa fatia dos brasileiros. Além disso, se a esquerda deseja dialogar com os evangélicos, a linguagem é fundamental.
É preciso compreender os códigos morais, as expressões que interpretam o mundo e as metáforas bíblicas usados em suas narrativas. Não é fingir que sejam "crentes", mas ter a sensibilidade, por exemplo, de lembrar que nos governos do PT se comia picanha e se bebia cerveja, mas também muito refrigerante - ora, se evangélico é abstêmio, o Brasil da cerveja não é o dele.
Como dizem vários analistas, a esquerda precisa reencontrar os grupos populares, as bases. Quando forem, acharão interlocutores lutando por vida digna, cantando hinos da harpa, falando línguas estranhas e fazendo vigílias de oração. E se algum leitor da esquerda sentiu certo estranhamento ao ler essas últimas expressões é sinal de que ainda há muito trabalho a ser feito. n