Em livro lançado em junho, a professora Ynaê dos Santos faz um exercício corajoso e fundamental: narra a história do Brasil nomeando o que sempre foi disfarçado. Sem paixões pelo povo europeu, ela dá ao racismo a magnitude devida enquanto mecanismo de exclusão. E expõe a urgência de pararmos de fingir não ser a raça o principal critério do debate sobre políticas públicas deste país.
Espero que o presidente Lula tenha lido esse livro. Mais: espero que o staff ministerial também o tenha feito. Porque não dá para discutir - muito menos implementar - projetos sem considerar o quão negro é o nosso povo. E ele é majoritariamente preto e pardo, como há anos indicam os censos do IBGE.
Se não é recomendado pensar em política pública como algo deslocado da discussão racial, e há décadas estudiosos alertam sobre isso, agora, então, depois de quatro anos de desmonte do governo que, enfim, finda, tornou-se impossível ignorar este componente. Ou colocamos a população negra, sobretudo as mulheres negras, como prioridade ou falharemos miseravelmente.
Além de os 37 ministérios serem divididos da maneira mais representativa possível no que toca à raça e ao gênero, é necessário compreender de uma vez por todas que não se tem política de combate à fome eficaz sem considerar que é o povo negro quem menos dispõe de algo para comer. É a realidade da atual conjuntura, mas também sempre foi o que se deu na história - bem como foi/é quanto ao emprego, à moradia, à renda…
Não basta escalar pessoas negras como ministras. Ter Flávio Dino e Margareth Menezes, por exemplo, à frente da Segurança Pública e da Cultura, respectivamente, alça o governo a um patamar de excelência. Porém, não delinear a raça como espinha dorsal dos projetos será perpetuar a metodologia perversa da gestão que agora deixa o Planalto. E o eleitorado manifestou-se pela ruptura com esse modelo de morte.
Aliás, os ataques racistas e sistemáticos feitos pela familícia aumentaram a ferida secular criada pelo abandono do Estado do povo negro. Ela nunca fechou, é verdade. E dificilmente fechará, se seguirmos fazendo de conta que racismo é mimimi e ser negro neste país não é determinante para muita coisa dar errado. n