Segundo Hegel, o jornal cumpriria uma missão pedagógica como espécie de prece civil, ordenadora do debate público. No domingo passado, infelizmente, o jornal O POVO publicou um artigo da lavra de um autodeclarado professor e cientista político que contradiz esse compromisso.
O autor, autocrata, golpista de outros carnavais, distingue-se por uma conduta típica de "vivandeiras de quartel", áulico de ambientes fardados, de homens de bens. Ao invés de sutilezas de análise, uso prudencial de categorias, apela à vulgaridade e à violência, destruição da democracia, da Constituição, como se estivesse a defendê-las, explorando o paradoxo antitético entre semântica e ato.
É a divisão de trabalho bolsonarista: enquanto uns estripam e matam pessoas, outros fazem-no com as ideias. Lamentável que tais absurdos encontrem guarida no O POVO, outrora meio de defesa de direitos fundamentais e da democracia.
A ação criminosa do dia da infâmia – com o golpe frustrado do 8 de Janeiro – revelou as sórdidas intenções deste demônio de mil faces, todas convergentes para o mesmo propósito, a conversão da mentira retumbante em verdade estética absoluta de culto à morte.
O POVO, ao invés de exercer seu dever de bem informar, municiando o debate público democrático, abre espaços a autores de mentiras e de iniciativas contra o sistema eleitoral, optando por homiziá-los em suas páginas. Confundir direito à liberdade de expressão com direito à mentira, ao golpismo que erige inimigos a serem eliminados pelas armas, é inaceitável.
Nem o liberalismo clássico, inconsciente das forças destrutivas do nazifascismo e de sua vocação totalitária, negava os limites da interpretação aplicadora das formas abusivas da liberdade de expressão.
Afinal todo direito viceja em correlação com outros direitos e bens, dentro de um contexto fático específico em indispensável e dialético encontro com a realidade.
Confundir a tutela da liberdade de expressão com sua negação, valendo-se da manipulação semântica das fórmulas legais é algo que não se compatibiliza com a defesa da democracia.
Tamanha ingenuidade soa como , no mínimo, desídia em face da obrigação constitucional do acatamento à soberania popular e seus desígnios.