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Emiliano Aquino: Os surdos dialogam sim, em línguas de sinais
Opinião

Emiliano Aquino: Os surdos dialogam sim, em línguas de sinais

No último século e meio, as instituições educativas de cegos e surdos, criadas pelo iluminismo do século XVIII, foram substituídas por instituições reabilitadoras, de natureza clínica
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Emiliano Aquino, professor de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará
 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Emiliano Aquino, professor de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará

Num artigo de opinião publicado no O POVO há algumas semanas sobre a discussão nacional acerca do Novo Ensino Médio, a Profª Sofia Lerche usou, para exprimir sua opinião de que as partes presente ao debate não prestavam atenção no que as demais diziam, o termo "diálogo de surdos". No sentido dado a esse termo naquele artigo, eu teria escrito a oração acima deste modo: 'as diversas partes não estavam ouvindo o que as demais diziam'.

De onde vem essa identificação da condição surda à impossibilidade de entender as coisas e compreender os outros? Minha hipótese é que vem de uma experiência histórica bem recente e bem próxima de nós. No último século e meio, as instituições educativas de cegos e surdos, criadas pelo iluminismo do século XVIII, foram substituídas por instituições reabilitadoras, de natureza clínica.

O maior dano, sem dúvida, sofreu-o as crianças surdas, impedidas de falar sua língua de aquisição espontânea, que são as línguas de sinais. Suas não-mais-escolas deixaram de ensinar conteúdos para treiná-los à fala. Tornaram-se "escolas especiais"; em consequência, nasceu um poderoso dispositivo institucional chamado Educação Especial.

Se o Iluminismo liberal do XVIII e início do XIX mostrou que, com o braile para a escrita e as línguas de sinais para a comunicação e o desenvolvimento do pensamento, era possível oferecer educação e aprendizado aos cegos e aos surdos, a Educação Especial, nascida no final do XIX, resolveu tratá-los como defeituosos carentes de reabilitação.

A Profª Sofia Lerche, certamente, se perguntada, não teria a menor dúvida sobre a capacidade de compreensão e entendimento dos surdos. Seu erro grosseiro apenas deixa expressa, à costas da sua consciência, uma representação social, institucionalmente forte, sobre os surdos e as línguas de sinais. Representação que até hoje é mantida pela Educação Especial, pela bilionária indústria (de aparelhos auditivos, aparelhos e utensílios de exames audiométricos etc.) e pelas não menos ricas instituições médico-terapêuticas.

É o que se manifesta, por exemplo, na recusa pela Educação Especial a reconhecer a verdade daquela descoberta iluminista do século XVIII: a de uma escolarização com base em língua de sinais em escolas que a tome como primeira língua. Mais do que para a Profa. Lerche, é para (ou: com) esse poderoso complexo industrial-pedagógico-terapêutico que surdos não dialogam. n

 

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