Quando Hans Christian Andersen escreveu o conto sobre um rei vaidoso e um bandido espertalhão, no século XIX, sequer poderia imaginar como as circunstâncias coincidiriam com o atual cenário político. Enquanto muitos falam sobre a roupa da primeira dama na cerimônia de coroação do Rei Charles III, outro rei aparece nu, e cada vez menos formoso diante de sua corte.
Na última semana, muitos súditos brasileiros foram surpreendidos com a Operação Venire, instaurada para investigar suspeitas sobre a falsificação de carteiras de vacinação, fraude ao sistema ConecteSUS e formação de quadrilha por um grupo de pessoas associadas ao ex-presidente. É que o Brasil possui súditos de comportamento curioso, que padecem de uma amnésia galopante, que os torna incapazes de identificar imensas coincidências.
Há alguns anos, críticas surgiam sobre a compra de um triplex no Guarujá e um sítio em Atibaia, mas o incômodo parece ser menor para as transações imobiliárias realizadas pelos membros de um mesmo clã familiar, cujas evidências atestam aquisições, em dinheiro vivo, de mais de 51 imóveis (sob o risco de subestimar os números!) negociados entre 1990 e 2020. Essa mesma família, que não cansa de surpreender, também está envolvida em suspeitas de "rachadinhas", terceirização de transferências financeiras não declaradas, veiculação de notícias falsas...a lista é longa.
Mais curiosa é a tentativa de normalizar a entrada ilegal das tais joias sauditas no valor de R$ 16,5 milhões com a desculpa de pertencerem ao acervo pessoal da ex-primeira dama - cujas despesas também eram pagas em dinheiro vivo, segundo outra investigação da Polícia Federal, frise-se. A dinâmica sobre os depósitos em dinheiro e transferências para contas de terceiros, sob a orientação de não deixar registros, constitui clara tentativa de impedir qualquer fiscalização, mas não é exatamente uma novidade.
O papel já foi desempenhado antes por Queiroz, mas, agora, em uma versão mais atualizada, é realizado pelo tenente-coronel e ex-ajudante de ordens, Mauro Cid: permanecer em silêncio! Pelo menos, não se pode falar de falta de coerência, porque a tarefa até combina bastante com o padrão dos 853 sigilos de cem anos decretados pelo Governo Federal entre 2020 e 2022.
O fato é que, ao mesmo tempo em que o Brasil que se posiciona como democracia consolidada, continua elegendo figuras pelo carisma, não pelo projeto de governo, o que se revela como grave problema, sobretudo para a segurança das instituições. O rei foi deposto, e mesmo nu, infame e sem mandato, permanece com a altivez de um nobre prodigioso, diante dos súditos que preferem fingir inteligência a enxergar a realidade que se impõe.
Ser crítico exige boa memória, é inevitável. E bom senso também.